segunda-feira, 30 de junho de 2014

Docemente crushed no país dos 3 F's


A Troika foi-se embora. Ficou a crise. Nem os especialistas nestas temáticas económicas e políticas conseguem prever quando irá passar. Como dizia o outro, da canção ligeira brasileira,

"Mas tudo passa, tudo passará..."

A atualidade mostra que a História se repete. Outras crises, noutros séculos, vieram e se foram, esmiuçando a vida, os bolsos e cultura do povo. Não me refiro apenas à que se adquire com a aquisição de conhecimento cultural (nas artes) mas àquela que naturalmente reside, vai vivendo ou se vai criando num povo, de forma geral. Também esta está a ser esmiuçada, para não dizer roubada, pelas medidas impostas, com impostos que muitos, a muito custo, têm de pagar e alguns, sem custo nenhum, lhes conseguem fugir.

Reduzido ao país dos três F's (Fátima, Futebol e Fado - assim mesmo, com orgulhosas maiúsculas), o povo refugia-se desta guerra, que crê não ser dele, em diversões, desta feita mais digitais. Pelo menos  enquanto não há Mundial, trezes de maio, festivais ou festas populares. No jogo do Candy Crush, por exemplo, ao qual há já algum tempo também me rendi. Alheadas, muitas vezes a roçar o vício, deixam-se seduzir pelas cores apelativas que sugerem a doçura (candy), do prazer de rebentar com os doces do jogo (crush) perdendo muitas vidas virtuais e talvez demasiado tempo da vida real. 

Ironicamente, acabam por ser abatidas (crushed) pelo jogo da King, que é já um sucesso mundial, com milhões de jogadores. Dizem os entendidos que é por causa do seu design, pelos inúmeros níveis que alternam entre o fácil e o difícil (para dificultar a desistência).
É um escape para os problemas do quotidiano, que embora os não faça desaparecer, durante aqueles momentos minimiza-os. 

Não creio que a nossa cultura possa ou deva resumir-se a três F's. Como brincou recentemente, meio a sério e meio pessimista, num seminário sobre as narrativas da Europa, Raquel Henriques da Silva, historiadora de arte (FCSH da Universidade Nova):

"Eu vivo no país dos três F's e apetece-me dizer um quarto."

E pronto, perdi mais uma vida.


George Grosz (1893-1959) Eclipse of the Sun, 1926. (Óleo sobre tela)



segunda-feira, 23 de junho de 2014

O xixi do Hitler e a geladeira da Madonna


O passado fim de semana vi o filme Sacanas sem lei (Inglorious basterds, 2009), sem querer. Que é como quem diz, ao fazer zapping, tentando fugir a todos os aliciamentos para ligar para um qualquer 760 qualquer coisa para ganhar uma arca frigorífica, entre outros pequenos eletrodomésticos (mas onde é que raio é que eu ia colocar uma arca frigorífica?). Neste filme, Tarantino puxa, mais uma vez, da sua imaginação perversa, para trazer à ficção cinematográfica um final cruel, mas merecido, à vida de Hitler, o homem que encabeçou uma das maiores chacinas da História da humanidade do século XX, causando milhares de mortes.
Aqui os bastardos são os sacanas que sem lei mas com glória arquitetam um engenhoso plano para, também numa sala de cinema - daquelas que fazem perder a cabeça de qualquer cinéfilo, por tão bela que é - assarem vivo o sádico homem e toda a sua trupe. Vingança pura, na mesma moeda. Ou quase.
filme fez-me lembrar aquela pergunta que a minha mãe fazia quando era pequena: será que as pessoas ricas também fazem cocó e xixi? (Pronto, já usei a palavra malcheirosa no meu blog. Posso dormir descansado.) 

Isso a propósito da curiosidade sobre os hábitos fisiológicos de Hitler. Ou de outro ditador qualquer. Nem a propósito, no mesmo dia em que dou comigo a refletir levemente sobre isto (não, não foi no wc), a Madonna partilha no Facebook uma fotografia da filha mais nova na praia. Uma cena normal: a criança a posar, feliz, a ponta de um chapéu de sol azul e outra parafernália habitual de praia. Mas o que me chamou a atenção nessa cena fotográfica foi o que me pareceu ser uma geladeira, em segundo plano, por baixo do que parecem ser algumas peças de roupa. Provavelmente não é uma geladeira. Mas podia ser. Afinal, os ricos também levam para a praia as mesmas utilidades do que os não tão ricos. A cena podia passar-se na Fonte-da-Telha (uma praia da Costa da Caparica, para quem não conhece). A 'única' diferença é que ela é a multimilionária rainha da música pop (get over it, fãs de Aguilleras, Spears, Katys, Gagas e Mileys). Agora a pergunta que realmente interessa: o que é que leva a Madonna na geladeira, quando vai para a praia?
(Já estou a imaginar outras perguntas sobre quem é que já levou a 'geladeira' da Madonna. Mas... Hei, ela fez por isso.)
Por me fazer pensar em tudo isto, Tarantino foi um bastardo glorioso.


segunda-feira, 16 de junho de 2014

(Somos) Os mais belos feios do mundo



Chamam-nos tanta coisa e nada:
Gordos, Magros, Pretos, Brancos,
Gays, Lésbicas, Heteros, Bi, tris... Oui?
Divorciados, Mal amados,
Chineses, Malteses,
Totós, Chiribitatatatas, Urras, urras,
Feios, Mal feitos, Desengonçados,
Caixas de óculos, 
Isto, Aquilo, Aqueloutro,
Serão eles alguns doutos?

Chamam-nos tanta coisa errada!
Não sou gordo branco maltês
Nem magro preto ou true blue
Não sou aquilo que se vê
Não sou aqueloutro em quem não crês
Nem de binóculos o verias
Nem de microscópio
Nem de macroscópio
Nem de telescópio 
Nem de endoscópio
O sentirias.

Gente que devia estar calada,
Que deve ter alguma coisa entalada,
Um parafuso ou uma porca mal oleada.
Nesta coisa da definição,
O problema vem de antemão.
Salta à vista o erro crasso,
E eu tudo temo e... 
O que é que faço?

(Jorge Augusto)

———
Somos as coisas que moram dentro de nós. Por isso há pessoas que são bonitas. Não pela cara, mas pela exuberância do seu mundo interno. Há a estória da linda princesinha que foi enfeitiçada e, sempre que abria a boca, dela só saíam cobras, sapos e lagartos. Algumas pessoas, quando falam, delas sai um arco-íris.
(Rubem Alves, Do Universo à jabuticaba)
People are all the same / And we only get judged by what we do / Personality reflects name / And if I'm ugly then / So are you / So are you
Ugly, Sugababes
You are beautiful no matter what they say / Words can't bring you down, oh no / You are beautiful in every single way / Yes, words can't bring you down, oh no / So don't you bring me down today 
BeautifulChristina Aguilera 

 The Ugly Duchess (1525-1530), de Quentin Massys

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Escrita quadra-da



Este ano no dia 13 de junho o santo padroeiro de Lisboa dá mais um feriado para festejar, com arquinho, balão e mangerico a acompanhar. No mesmo dia 13, mas de um junho de 1888, nascia no largo de São Carlos em Lisboa (no número 4, 4º. esquerdo, para os mais curiosos dos pormenores factuais) uma pessoa que foi poeta e que não por acaso também foi Pessoa de sobrenome. Mas se foi poeta, o mais correto é dizer que ainda "é", já que esta espécie literária tem o dom maravilhoso de se tornar eterna. Bem, não é que todo o poeta o seja, mas este, que sentiu tudo de todas a maneiras, sinto muito mas já está eternizado na literatura portuguesa.

Até sentiu as quadras populares à sua tão caraterística maneira:

A quadra é um vaso de flores que o Povo põe à janela da sua alma. Da órbita triste do vaso escuro a graça exilada das flores atreve o seu olhar de alegria. Quem faz quadras portuguesas comunga a alma do povo, humildemente de todos nós e errante dentro de si próprio. Ser intensamente patriótico é, primeiro, valorizar em nós o indivíduo que somos, e fazer o possível por que se valorizem os nossos compatriotas, para que assim a Nação que é a suma viva dos indivíduos que a compõem, e não o amontoado de pedras e areia que compõem o seu território, ou a coleção de palavras separadas ou ligadas de que forma o seu léxico ou a sua gramática — possa orgulhar-se de nós que, porque ela nos criou, somos seus filhos, e seus pais, porque a vamos criando.
E deixou algumas, bem diferentes da poesia a que nos habituou:
Cantigas de portugueses
São como barcos no mar 
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.

A caixa que não tem tampa
Fica sempre destapada
Dá-me um sorriso dos teus
Porque não quero mais nada.

No baile em que dançam todos
Alguém fica sem dançar.
Melhor é não ir ao baile
Do que estar lá sem estar.

Vale a pena ser discreto?
Não sei bem se vale a pena.
O melhor é estar quieto
E ter a cara serena.

Tenho um relógio parado
Por onde sempre me guio.
O relógio é emprestado
E tem as horas a fio.

Aquela senhora velha
Que fala com tão bom modo
Parece ser uma abelha
Que nos diz: "Não incomodo". 

Não digas mal de ninguém,
Que é de ti que dizes mal.
Quando dizes mal de alguém
Tudo no mundo é igual.

Quando vieste da festa,
Vinhas cansada e contente.
A minha pergunta é esta:
Foi da festa ou foi da gente?

Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta.
Se é mentira, escreve leve.
Se é verdade, não tem tinta.

Deixaste cair a liga
Porque não estava apertada...
Por muito que a gente diga
A gente nunca diz nada.

Não há verdade na vida
Que se não diga a mentir.
Há quem apresse a subida
Para descer a sorrir.

Santo António de Lisboa
Era um grande pregador
Mas é por ser Santo António
Que as moças lhe têm amor.
Quadras ao gosto popular, Fernando Pessoa em 
O rosto e as máscaras


SABIA QUE...
Pode encontrar as obras de Fernando Pessoa gratuitamente (em domínio público) aqui.

domingo, 8 de junho de 2014

Esperança magra de vida com gordura a mais



Então não é que agora um estudo revela que à medida que envelhecemos devemos ganhar um pouco de peso, pois aumenta a esperança de vida? E que vive mais quem beber moderadamente (um ou dois copitos de) bebidas alcoólicas, seja de que tipo for?
Por acaso não soube disto através do Facebook, mas podia ter sido. Foi através do programa da CBS 60 minutos (estudo 90 +, "Living to 90 and beyond")

Já li que para que uma coisa se torne verdade (qualquer coisa!) basta dizer "um estudo diz que...". Este sobre a ligação entre o álcool e a longevidade tem a efemeridade de qualquer verdade científica: fica obsoleta assim que sai cá para fora. Essa é ao mesmo tempo a sua fraqueza mas também o seu ponto forte, porque nos mostra que a verdade (ou as verdades) sobre a vida ou sobre a natureza é como qualquer um dos personagens do X-men. Tem um poder sobrenatural e em constante mutação. Como o vírus da gripe. Ou qualquer 'bom' vírus que se preze.

Não sei se beber um copito ou dois por dia fará com que eu viva mais um ou dois anos, mais uma década ou duas. Se assim for muito boa gente que eu conheço viverá até muito depois dos 100 anos. Dos 120, talvez. Seja como for, uma coisa é certa: quem bebe um copito ou mais - ou um copito a mais - seja em que dia for, não precisa viver muito mais porque já está a viver a vida em pleno. Na sua plenitude de vida, pelo menos.
Just In case, vou beber moderadamente. Até porque não me apetece que seja de outra forma.
Quanto ao peso... Bem, eu estou a tentar fazer a minha parte, ganhando mais uns quilitos. Mas não para ganhar mais ou menos anos de vida. Apenas para me sentir bem (ou melhor) na minha pele.



Primeiro a serra semeada terra a terra Nas vertentes da promessa Nas vertentes da promessa Depois o verde que se ganha ou que se perde Quando a chuva cai depressa Quando a chuva cai depressa 
E nasce o fruto quantas vezes diminuto Como as uvas da alegria Como as uvas da alegria E na vindima vão as cestas até cima Com o pão de cada dia Com o pão de cada dia 
Suor do rosto pra pisar e ver o mosto Nos lagares do bom caminho Nos lagares do bom caminho Assim cuidado faz-se o sonho e fermentado Generoso como o vinho Generoso como o vinho  
E pelo rio vai dourado o nosso brio Nos rabelos duma vida Nos rabelos duma vida E para o mundo vão garrafas cá do fundo De uma gente envaidecida De uma gente envaidecida  
Vinho do Porto Vinho de Portugal E vai à nossa À nossa beira mar À beira Porto À vinho Porto mar Há-de haver Porto Para o nosso mar  
Vinho do Porto Vinho de Portugal E vai à nossa À nossa beira mar À beira Porto À vinho Porto mar Há-de haver Porto Para o desconforto Para o que anda torto Neste navegar  
Por isso há festa não há gente como esta Quando a vida nos empresta uns foguetes de ilusão Vem a fanfarra e os míudos, a algazarra Vai-se o povo que se agarra pra passar a procissão E são atletas, corredores de bicicletas E palavras indiscretas na boca de algum rapaz E as barracas mais os cortes nas casacas Os conjuntos, as ressacas e outro brinde que se faz  
Vinho do Porto vou servi-lo neste cálice Alicerce da amizade em Portugal É o conforto de um amor tomado aos tragos Que trazemos por vontade em Portugal  
Se nós quisermos entornar a pequenez Se nós soubermos ser amigos desta vez Não há champanhe que nos ganhe Nem ninguém que nos apanhe Porque o vinho é português
Vinho do porto (Festival da Canção, 1983), de Carlos Paião

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Feiras de títulos para quem tem medo



Quando o título de um livro é bom, ele consegue representar tudo aquilo que se encontra no seu interior. Se por um lado dá vontade de o ler, por outro já disse quase tudo e faz com que cada um de nós o preencha com as nossas próprias palavras. Que é como quem diz, a nossa própria vida.

Um 'bom' título é a sinopse da sinopse do livro. É como o teaser, daqueles que mostram as melhores cenas do filme e que nos faz pensar: pronto, a melhor parte já vimos. Valerá a pena gramar com os 90 e tal minutos? Bem, mas os bons filmes, como os bons livros, só nos espicassam a curiosidade. Tal como as cenas das novelas que já sabemos pelas páginas (ou pelas capas) das revistas da 'especialidade', nós queremos é ver como realmente a cena acontecerá na trama. É essa a magia da narrativa literária, cinematográfica ou televisiva.

Perante título, o leitor cria automaticamente uma expetativa. Não só com os títulos bons. O contrário também pode acontecer e, como em quase tudo, tem os seus pontos positivos e negativos. No caso do título bom é que a expetativa sobre o conteúdo é elevada e pode sair frustrada. Mas melhor do que o folhear é, sobretudo - já que se está com a massa literária na mão - ler.

Ao entrar no autocarro reparo na capa do livro que um senhor literalmente 'anda a ler'.
Chama-me a atenção o título inspirador:
Nunca te distraias da vida
Está tudo dito ou vai-se dizendo. Eu, curioso sobre o conteúdo daquele, enquanto o não leio vou escrevendo a minha vida de acordo com o que o seu título me sugere e aconselha.
Espreitei por cima do ombro do homem do lugar da frente que o estava a ler e consegui ler um subtítulo: Recomeçar sem medo.

Muitos medos nascem da ignorância.
Como diz o ditado:
Quem tem medo... Lê um livro.


Notas à imagem:
 "Der  Buchdruck" ("A moderna impressão de livros"), em frente da Universidade Humboldt (Berlim)
Escultura de 17 livros empilhados, com cerca de 12 metros de altura que celebra Joahnnes Gutenberg o criador da imprensa. Os escritores selecionados foram (de cima para baixo): Günther Grass, Hannah Arendt, Heinrich Heine, Lutero, Kant, Anna Seghers, Hegel, Irmãos Grimm, Marx, Heinrich Böll, Schiller, Lessing, Hermann Hesse, Theodor Fontane, Thomas Mann, Brecht e Goethe.