sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Mister Magister



Dedico este espaço, neste post, a todos aqueles que contribuíram para a realização da dissertação que levei a cabo no último ano, agradecendo-lhes sinceramente.

Para quem (ainda) não sabe, a dissertação que apresentei e defendi hoje, 28 de novembro de 2014, insere-se no ramo Cultura e Indústrias Criativas, e teve como foco os públicos da arte contemporânea, incidindo sobre aqueles da exposição Joana Vasconcelos no Palácio Nacional da Ajuda que decorreu de 23 de março a 25 de agosto de 2013, neste monumento. Brevemente vou partilhar alguns resultados, a todos a quem este assunto possa interessar.

A apoteose do meu percurso deu-se com a atribuição de Magister (latim para Mestre) em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação pelo ISCTE-IUL (Instituto Universitário de Lisboa), com a decisão unânime de aprovação pelos membros do júri (Professora Doutora Idalina Conde, arguente, Professora Doutora Joana Azevedo, presidente da mesa, e Professor Doutor José Soares Neves, orientador), que classificaram o meu trabalho com 18 valores, uma nota distinta que muito me agrada mas que não dá por concluído o meu caminho por estas andanças.

Para já...

UM AGRADECIMENTO PÚBLICO SINCERO 
Aos meus orientadores, que não me deixaram dispersar: ao Prof. Doutor José Soares Neves, pela forma como incansável e pacientemente me guiou para os melhores caminhos a seguir. A sua orientação nunca me pareceu uma obrigação; ao Prof. Dr. Jorge Vieira, que foi copiloto na viagem que teve início nas suas aulas de Desenho da Pesquisa, do Mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação (MCCTI), e, portanto, por ser um dos seus principais responsáveis.

À Prof. Doutora Rita Espanha, Coordenadora do MCCTI, pelo apoio e abertura das portas necessárias para o início deste projeto.
Ao Dr. Rui Ferreira da Silva, Coordenador da Área de Bibliotecas e Documentação, da Divisão de Documentação, Comunicação e informática, da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), assim como ao seu colega, o Dr. Nuno Fradique, que me receberam e apoiaram na concretização deste projeto de investigação.
Ao Dr. José Alberto Ribeiro, Diretor do Palácio Nacional da Ajuda, pela autorização da aplicação do inquérito nesse Monumento, assim pela simpatia e convite para visitar a Exposição de Joana Vasconcelos, juntamente com os meus colaboradores.
À Drª. Tânia Tadeu, da Everything is New, pela permissão da aplicação do inquérito e pelos dados referentes à bilheteirada Exposição, assim como aos seus colaboradores, pela disponibilidade durante esse levantamento.

Ao António Gabriel, pela amizade e colaboração neste projeto, a quem devo a sua continuidade e conclusão, pela paciência e apoio em todas as horas, comigo partilhando e multiplicando as alegrias e dividindo angústias.
À Drª. Filomena Ramos, colega e amiga de um percurso académico no qual ativamente colaborou, nomeadamente na aplicação pontual do inquérito.
Aos meus pais, que incondicionalmente me apoiam, sempre na esperança de que o meu árduo trabalho e dedicação os frutos merecidos.

Aos professores do ISCTE-IUL, pela forma como lecionaram o MCCTI, pelos ensinamentos que me permitiram ter novos olhares para o mundo da cultura e das indústrias criativas.
Aos professores da licenciatura em Estudos Artísticos da Universidade Aberta, que enquanto ainda aluno desse curso, me incentivaram a dar continuidade ao meu percurso académico.
Aos meus colegas, família e amigos mais próximos, pela paciência e interesse com que me ouviram sobre o tema em estudo.
Ao público da exposição Joana Vasconcelos no Palácio Nacional da Ajuda, que teve a amabilidade e disponibilidadede responder ao inquérito, permitindo que eu pudesse realizar esta investigação.

Uma palavra final de agradecimento aos amigos e colega que fizeram questão de estar presentes no momento de defesa: Gabriel, Filomena, Ana e Hugo. Mas também a muitos outros que, não podendo estar presentes fisicamente, mostraram o seu apoio.


quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Nossa, que biolência



É impressionante a quantidade de programas de televisão cujo conteúdo se baseia ou é maioritariamente constituído por imagens de criminalidade, que na maior parte das vezes inclui violência. A violência nos canais de televisão é banal(izada) e muitas vezes gratuita, começando nos quatro canais generalistas (RTP1, RTP2, SIC e TVI), e estendendo-se pelos canais por cabo. Uma breve passagem de olhos pela grelha de programação desses canais não deixa dúvidas para esta banalização a que a sociedade portuguesa tem facilmente acesso diariamente. Basta ligar a TV.
Observei uma semana desta programação e verifica-se. As observações que aqui deixo não são exaustivas nem analíticas, mas deixam muitas pistas sobre a banalização que refiro e deixo a pergunta: haverá relação entre a violência existente na televisão que temos com a realidade violenta que existe no mundo?

Apesar de tudo, nos canais generalistas da televisão portuguesa a maior parte da grelha não é ocupada com uma programação que particularmente inclua violência. Os casos pontuais verificam-se nas telenovelas e, sobretudo, nas notícias que dão conta de crimes - muitas vezes violentos, o que justifica ainda mais a sua inclusão no jornal, como notícia - ou no comentário demasiado breve de alguns crimes, feito nos programas diários durante a semana que ocupam a maior parte da manhã ou da tarde. Habitualmente esta análise é feita por especialistas minutos antes das notícias das 13:00. 
A violência também entra pelos ecrãs destes canais através dos filmes. Dos quatro, a RTP2 é aquele onde menos se encontram imagens deste teor (excetuando os noticiários diários mas de reduzida expressão em relação à restante programação deste canal). 

Não distingui os períodos de fim de semana com o resto dessa semana, mas o horário.
Por volta da meia noite, na RTP, Safe (2012), um filme estadunidense de género ação, aventura e crime. O poster mostra precisamente o protagonista a apontar uma arma ao... espetador!
Gomorra (2008), filme italiano sobre a máfia napolitana, a Camorra. "Dois rapazes roubam cocaína de um grupo de colombianos e são advertidos por Giovanni um dos chefes. Porém roubam armas de um esconderijo e depois assaltam um bar." Droga, crime, logo, violência. No poster os jovens protagonistas também empunham armas.
Arrow (2012), é uma série estadunidense baseada no personagem de BD Lanterna Verde, Oliver Queen, um playboy que se perde numa ilha deserta e que após cinco anos retorna para combater o crime e a corrupção de sua cidade.
Liberdade 21 (2008), é uma série portuguesa de género judicial. Ora, havendo necessidade de justiça e advogados, pressupõe a existência de combate ao crime. 

Na SIC esse fim de semana começa na sexta-feira à noite, depois da ultima novela ( da meia noite) com Investigação Criminal - Los Angeles (2009-), uma série estadunidense sobre o Departamento de Projetos Especiais (OSP - Office of Special Projects), "uma divisão da NCIS que tem a missão de prender criminosos que significam uma ameaça à segurança da nação" (americana). A noite continua com a série  também americana Mentes Criminosas (2005-), que já vai na 9a temporada, "sobre a UAC (Unidade de análise comportamental), uma esquadra de elite do FBI, com sede em Quantico, Virgínia. A equipe analisa criminosos do país por meio do Modus Operandi e a Vitimologia dos mesmos e antecipa seus próximos movimentos antes de eles golpearem outra vez. Neste quesito, a série difere-se de outros dramas policias por focar mais no comportamento criminal do suspeito do que o crime em si." 

A noite de sábado começa com O Contra-Ataque (2010), uma série inglesa sobre uma unidade secreta de inteligência militar britânica que combate o crime, sobretudo terrorista. O poster tem duas silhuetas de militares empunhando armas, com um fundo em tom vermelho (sangue) e um grafismo radial em contraste formado por balas. A composição fica composta com a frase que lhe serve de slogan: "O mundo não se salva a si mesmo." (No original "The world's not saving itself.") É por isso que são precisas armas (muitas armas) e violência (muita violência) para combater as armas e a violência no mundo. Faz sentido, não faz?

Há duas séries na programação infantil das manhãs de fim de semana que gostava de referir, não pela violência dos conteúdos mas pelo seu 'perigo' cómico. O primeiro é a série portuguesa com um título a indiciar um humor negro: A Família Mata (2011). O segundo é a série australiana Sam Fox - Aventuras Extremas (2013), sobre um adolescente que atrai a si às mais diversas situações de perigo: tubarões assassinos, leopardos, tornados, vulcões, escorpiões mortais e anacondas, entre outras. O lugar é de aventura e perigo, não propriamente incitando à violência, embora as imagens suscitem uma emissão extra de adrenalina nas crianças e jovens. 
A SIC tem atualmente em exibição uma mini telenovela brasileira, O Rebu (2014cujo enredo gira à volta de uma misteriosa morte.

É verdade que nem todos os crimes pressupõem violência. Mas estão quase sempre associados a maldade ou má conduta, que convém erradicar da sociedade. Mas como é que a sociedade se pode ver livre de atos cruéis, se o Homem tem em si maldade? Não pretendo dar uma aula de moral, mas acredito que ao refletir sobre a imoralidade que existe no mundo - e que o média televisivo expõe com vulgaridade - faz de mim uma pessoa com maior consciência e, logo, querer ser uma pessoa melhor, sem pensamentos ou atos maus. Consequentemente, mais feliz. Como dizia Epícteto:

"Se queres ser bom, convence-te primeiro que és mau."

O média também não é o problema, já que às pessoas cabe o julgamento e a filtragem necessárias para a sua vida. Afinal, eu também cresci a ler histórias da Agatha Christie ou a ver, sempre muito atento, a série protagonizada por um dos mais famosos personagens das suas histórias, o detetive Poirot. Talvez seja ela, ainda, a principal responsável e inspiradora de todos as séries e filmes friccionados (não reality shows) que vieram depois dela.

O problema é que nem toda a gente tem a capacidade de julgar corretamente as imagens (sobretudo imagens) que vê por forma a que elas se não venham a refletir nos seus próprios atos. A preocupação deve recair, principalmente, sobre os conteúdos a que as crianças e jovens assistem. É que apesar das classificações etárias a que estão obrigados os canais sobre os programas que exibem, a verdade é que isso não impede a que se tenha acesso a eles e em qualquer hora do dia. Uma preocupação que os educadores (pais ou qualquer outros) devem ter. Sem lições, sem moralidades bacocas (do género faz o que digo e não o que eu faço). Para bem da nação. E da televisão.


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domingo, 23 de novembro de 2014

Um hospital secular à beira mar plantado



O tímpano da entrada nartex do HOSA (Hospital Ortopédico de Sant'Ana) contém uma cena com uma figura feminina de braços abertos, com seu manto estendido na horizontal, a tentar abraçar e acolher aqueles que desta casa precisam para se sararem das enfermidades do corpo. A génese da palavra hospital remete para o verbo que se pode criar com o seu substantivo: hospitalar, para dar hospitalidade aos enfermos.

Rosendo Carvalheira, juntamente com cinco arquitetos, desenha, no espaço de um ano, o edifício cuja primeira pedra foi lançada em 1901. Nos bastidores Claudina Chamiço (Schmit) é a mulher que impulsiona a obra, na qual faz questão que o seu nome não figure sequer na gravação dessa primeira pedra, mas é ela que faz com que seja possível concluir o sanatório em 1904. Um ano depois, é construída a capela que ainda hoje se encontra no local. 

O sanatório nasce para combater e sarar as muitas pessoas que uma terrível doença dizimava no início do século XX e cuja cura se desconhecia: a tuberculose. Os cientistas da época apostavam na prevenção. Embora apenas 10% da população a infeção evoluísse para tuberculose, destas quase todas acabavam por morrer por sua causa .

Claudina estabelece logo muito claramente a organização para os objetivos traçados, sem olhar a meios para atingir os fins, com todas as regras necessárias, incluindo os cuidados a administrar aos pacientes. Com 89 anos faz um ultimato ao governo, ameaçando com o fecho do hospital, totalmente suportado por si, num período de revolução (c. 1910) em que sofreu uma lapidação, quando se via sem condições para tratar dos 100 doentes - capacidade máxima. Ela, que não era de ficar de braços cruzados. Ela, que se fez valer das fortunas que herdara (incluindo a sua própria), a favor da humanidade, ficara sem as pessoas  - as irmãs - que cuidavam dos enfermos.

A sua persistência, humanidade e fé fizeram com que conseguisse que o sanatório se mantivesse.

Em 1961 a designação do espaço passa de sanatório a hospital. Deixou de fazer sentido como sanatório, com o advento e evolução da medicina, com os antibióticos, a anestesia e os analgésicos. D. Claudina deixou o hospital à SCML, juntamente com os meios para o seu funcionamento, por causa dos princípios dessa instituição, com mais de 500 anos. Apenas durante cinco anos (entre finais da década de setenta e início da de oitenta) terá sido propriedade de privados, mantendo-se quase sempre na gestão e administração pública, como D. Claudina tinha preferido. 

Em breve será lançada a primeira pedra para a construção de um novo hospital ortopédico de Santana, provavelmente com outra designação e nunca substituindo completamente o anterior, a celebrar os 110 anos. Sempre com a gestão da SCML.

Vale a pena a sua visita guiada, cujos comentários experientes são tripartidos entre três guias tão diferentes.

«Classificado pelo IGESPAR, como Monumento de Interesse Público, nesta visita fique a conhecer uma obra muito inovadora que conciliou a funcionalidade à beleza, bem como aspetos mais importantes da história do Hospital sobre religião, arte, arquitectura, ciência e saúde.
Esta iniciativa é articulada entre o HOSA e a Direcção de Cultura da SCML, realizam-se sempre nas terceiras 5ªs feiras do mês, por volta das 14:30 e necessitam de inscrição prévia, através dos telfs. 213 235 824/ 233/ 421/ 065.»

(mais informação aqui)


terça-feira, 18 de novembro de 2014

Um dia na vida do ca(ga)nito Xico



Olá. Eu sou um cão. O meu nome é Xico. Sem diminutivos: nem “Xi”, nem “Co”. Vivo com o meu dono, o Vascoal. É mesmo assim que ele se chama (coitado) o meu dono: Vascoal, nem Vasco, nem Pascoal.

E porque é que ele se chama assim? Não sei, nunca e disseram. Aliás, os humanos poucas conversas inteligíveis têm para comigo. Resumem-se a frases imperativas como “deita”, “vai”, “vem cá”, “lindo menino” (provavelmente a maior das verdades que eles dizem, quando dizem alguma coisa “comestível”) e pouco mais (se estas expressões são familiares ao caro leitor, não é por acaso: é porque sabe que é mesmo assim).

Como eu dizia, eu não “sei” porque é que o meu dono se chama Vascoal, mas desconfio; porque ouço muitas conversas que ele tem com as outras pessoas. Desconfio que ele assim se chama porque a mãe dele gostava que ele se chamasse Vasco e o pai gostava que ele se chamasse Pascoal. A criança não podia estar à espera de nome para ser chamada e quando a discussão no registo civil, para que os adultos se decidissem “a bem”, não atava nem desatava – os humanos não gostam nada que não chamem os bois pelos nomes e o senhor funcionário resolveu dividir o mal pela raiz do bem e da sensatez, e fez com um tal Rei Salomão (que queria cortar uma criança ao meio). E eu pergunto-me:
- Como é que um cão pode saber estas coisas? 
Bem, isso é outra história, para outro conto. Chama-se a isto, aguçar a curiosidade do leitor, puro Marketing, adaptado aos caninos. Quando os pais repararam no engano, pensando que ambos tinham levado a sua avante, e viram que as letras no nome não elas as letras pelas quais teriam “lutado”, era tarde de mais e os registos centrais não podiam alterar.

Adiante, que se faz tarde e tenho muito pouco tempo. Pelas contas que os humanos decidiram fazer por nós, apesar de eu ter nascido há 6 anos do calendário ocidental, já estou perto da meia idade.

Vascoal ficou, como se o homem tivesse nascido numa terra (ou noutro mundo) onde trocam os “pês” pelos “vês”, como noutros sítios deste país... ouvi dizer. O nome faz-me rir.

Como dizia, sou um cão e como qualquer outro animal, tenho os meus caprichos. Sou pachorrento mas atento, paciente mas decidido, de cor preta mas com alma cândida, sensível mas não “flôr”, fiel (como não podia deixar de ser; não posso contrariar o mau próprio adn) mas não destemido. Sei que há cães a quem gostam de chamar “espertos” pelas proezas que fazem. E eu digo:
«- Ó Lassie, se és assim tão boa, porque é que não foste para o circo? Ah, tu és mais salvar pessoas, está bem. Tu lá sabes, mas estás a perder-te. A saltar arcos em chamas (ou até apagados) é que tu estavas bem: tinhas uma vida mais calminha... que Hollywood dá cabo até das vidas dos cães com as melhores das intenções
Eu tenho os olhos pretos como caganitas de ovelhas. 
Que me perdoe o leitor a linguagem, mas estas são as minhas referências. Não cresci no meio de olivais e por isso não sei como são aquelas coisas a que chamam azeitonas.

Nasci, dizem, numa aldeia, num norte – lá está, a vegetação é outra. Mas um cão vegeta em qualquer lugar... de repente perdi o norte ao meu mundo e vim parar à cidade. A mim, esta cidade onde dizem que moro, parece-me uma aldeia, porque é pequeno o espaço onde me deixam (a) viver.

O Vascoal (hi, hi...)... deixa-me preso nesta varanda todos os dias quando sai para o trabalho. Não é que me importe muito. Neste tempo todo de sossego, tenho tempo para contemplar a minha vida... e a dos outros.

Quem disse que a vida de um cão é pera doce, é porque nunca lhe descascou a pele. A minha vida não é fácil, mas não posso desejar outra. Acho que a de alguns humanos é muito mais cão que a minha!

Acordei. Não sei que horas são. Não sei o que são horas – sei apenas que as horas são muito tempo umas vezes e outras não são tempo nenhum... são minutos que passam mais devagar ou mais depressa, consoante der mais jeito a quem os conta. Parece-me que é cedo, pelo olhar do Vascoal. É cedo para ele, não para mim, que acordei há muito e nem sei se é dia se é noite. Luz não há certamente, porque ele gosta assim. Para dormir até mais tarde. Para quê, não sei. Sei apenas que a minha bexiga dá horas e minutos há demasiado tempo, mas eu contenho.

Com os meus olhos “caganitos” vejo o mundo todo, desde o sítio onde nasci, até aqui onde adormeço todos os dias. Vejo-o com olhos de ver, com desinteresse aparente.

---

Nota do transmissor da história do Xico:
Este é apenas o primeiro de vários episódios de uma série de três volumes editados e que estão a fazer enorme sucesso. Está na calha a adaptação ao cinema mas ainda não se sabe quem vai interpretar o papel do protagonista.
Esta história tem uma moral:
Não abandonem os vosso animais: eles podem vir a escrever livros que se tornarão best sellers e vocês podem vir a ganhar muito dinheiro.

domingo, 16 de novembro de 2014

Doce e Sem Açúcar


Amora silvestre
Que sabor tens no trago?
É amor que tiveste?
Óh, amor, tão amargo.

Porque choras, coisinha?
Estás tão triste, não fiques
Com cara de andorinha
Pronto, és doce, docinha.

Já te disse, avelã
Deixa a prima em paz
Já te disse a mamã:
Se não quiseres ir, não vás.


* * *
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quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Próxima : indiscrição sem paragem (Ficção, 2002)



Que raio! Quem é aquele homem? …não para de olhar… disfarço, fingindo muito interesse na linha do metro. A estação não está apinhada, mas também não está vazia. Não é hora de ponta… é noite já.

E pronto! Teimou, está visto. Que chatice…

Será que eu tenho ar de maricas? Visto e pareço o mais normal possível. Que é como quem diz… não acho que tenha muito bom gosto. Daí a minha admiração!

Olho novamente - se calhar eu também devia parar de olhar. Posso estar a fomentar a situação. Não consigo evitar. Faz-me espécie… - e superficialmente passo os olhos por aqueles lados para verificar se parou de vez. Eu detesto ser observado. Aliás faço tudo para o não ser. Gosto de passar despercebido.

Gaita… lá está ele.

Já me deve ter tirado as medidas todas. Todos os centímetros. E eu continuo à espera do metro.

De todas estas passagens também eu, inevitavelmente, já o consigo descrever. Não é que queira… ao longe (consigo reparar apesar da distância) encosta-se ao outdoor com as mãos nos bolsos, blusão de ganga e calças escuras… não sei que tecido…percebo pouco disso. Cabelo médio, liso, escuro e de aspecto molhado. Barba por fazer, parece-me, pelos tons escuros que consigo observar daqui. Os olhos também não têm luz nenhuma.

Finalmente lá entro no transporte e sento-me no primeiro lugar vago e, principalmente, vazio. No exterior… ou seja, no interior do túnel mas lá fora, vejo o reflexo das coisas que se passam cá dentro. Continuo e observo. Não tenho coragem de olhar directamente as pessoas e finjo-me, mais uma vez, pensativo, como se a morte da bezerra estivesse no vidro da carruagem. E passa ele: o homem dos olhos escuros. Parou mesmo ao lado da senhora que se encostou a mim, cheia de sacos. Para além de gorda cheira a impulse dos 300. Mas o outro lá está. Em pé. Passa uma paragem, duas, três e às duas por três levanta-se a tal senhora: sai na próxima, adivinho. Ponho-me a adivinhar que o outro se vai sentar no lugar deixado vago. Enganei-me: deixou sentar outra senhora que traz um corpo quase sem cheiro, não fosse o dos amendoins e chocolate que sai do saquinho de emánémes que vasculha com os dedos e que vai pescando de vez em quando. Nem agradeceu ao cavalheiro.

A próxima é a minha paragem e ao preparar-me para me levantar reparo que ele já se encontra ao pé da porta de saída: lógico - também sai na próxima. Enquanto para o metro e avanço até à saída espero que iremos em sentidos opost… nem consegui acabar este meu pensamento… nem vale a pena… vamos mesmo no mesmo sentido. Eu vou atrás em passos mais lentos, para ver se o despisto. Desapareceu ele lá à frente e eu, em passo habituado à lentidão daqueles segundos. Não aumento a velocidade e quase parado o meu corpo avança para a estação do comboio que, pelo contrário, parece apressado apesar de estar parado. Eu rio (mostro apenas um sorriso cúmplice e pessoal a mim mesmo) do monstro de metal que só tem de esperar que o número 55 mude para 56 para poder partir. E é o que, precisamente faz, quando às vinte horas e cinquenta e seis segundo o tableu que avisa que esta hora, neste dia, nunca mais veremos.

Veremos…


Créditos de imagem: Subway Painting III (Version 2), 2005, óleo sobre tela, Hillel Kagan


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* * *



sábado, 8 de novembro de 2014

As vidas que cabem num dia


A rotina é uma coisa tramada. Ela transforma os hábitos em clausura e ao mesmo tempo separa a nossa vida das vidas que estão 'lá fora', no 'outro' mundo.
Basta sair um pouco da rotina, quebrá-la ou rachá-la, apenas, para se ter uma maior noção que a vida é maior do que aquela em que cabe a nossa própria vida. 
Não é preciso muito. Ás vezes ir pelas escadas, atravessar a rua, mudar de passeio, mudar de estrada, de banco (ou de cadeira), de linha de metro, de jardim, de café ou de esplanada, de uma divisão da casa para outra. Ou sair porta fora, atravessar um continente, um país, um mar ou apenas um rio. Diminuir os passos que damos ou até mesmo parar. Ou correr, saltar, brincar a um jogo que nunca brincámos. Meter conversa com alguém com quem nos cruzamos todos os dias mas com quem nunca falamos. 

Hoje a reunião de trabalho é num sítio diferente. Não vou para um escritório. Estarei em vários sitos, logo, em vários 'escritórios'. Saio numa estação de metro que costuma ser apenas de passagem.  Naquela saída, enquanto aguardo pelo colega e amigo de trabalho, em menos de dez minutos passam por mim varias vidas: a da mulher que trouxe de carro o marido até ali (despediram-se com um beijo e uma troca de olhares cúmplices, que diziam qualquer coisa que não consegui traduzir para a minha linguagem - é só deles e não tem de ser de mais ninguém), do rapaz nitidamente nervoso a tirar a carta de condução, na mulher jovem, bem vestida, que vai para o trabalho (imagino eu) na sua bicicleta (muda descontraidamente de faixa para se desviar de um carro estacionado, metendo-se à frente de outros carros, que lhe buzinam, mas ela despreocupadamente segue o seu caminho como se nada fosse), as crianças que àquela hora da manhã já brincam no parque do meio da grande alameda verdejante da cidade. 

O parque infantil recebe as crianças com os mesmos raios de sol que, ali bem perto, eu também recebo. O parque infantil tem o chão de areia. Reparo num sinal à entrada que indica que a areia é higienizada regularmente. A cidade pensa em tudo. Outro sinal ao lado tem uma série de números de telefone para alguma urgência, de qualquer tipo: médica (112), municipal (divisão da Câmara responsável por aquele equipamento) e até da ASAE. Estará a areia tão limpa que se pode cozinhar nela? 

A primeira paragem para uma inicial parte da reunião é numa mesa de café no Parque das Nações, onde um de nós toma um pequeno almoço já tardio (o segundo, talvez). Dali seguimos para Marvila, onde vou encontrar uma igreja do século XVII. Está fechada. O segurança diz que a chave está com uma senhora, dona de uma mercearia ali em frente. Fomos ter com ela e lá a conseguimos convencer que somos pessoas sérias e que não vamos demorar muito. Descobrimos que a senhora é de Viseu e ainda acabamos por lhe comprar umas ameixas, depois de eu conhecer o rico interior barroco do edifício religioso, uma relíquia da cidade de Lisboa. Talha dourada, azulejos, quadros, mármore a formar intrincados padrões quer no chão quer nas paredes, tudo a condizer com o estilo artístico.  Algumas coisas a precisar de urgente restauro (um dos altares está mesmo retirado para esse efeito).

A reunião continua para o local onde era suposto haver outra pequena reunião. Como não se agendou e é tudo muito (demasiado) informal, batemos com o nariz na porta e a manhã de trabalho dá-se por concluída. Devia seguir para o ginásio, mas pego antes qualquer coisa para comer e vou para o anfiteatro da Gulbenkian saborear o meu manjar, enquanto me inspiro para escrever e enquanto inspiro o ar daquele pequeno paraíso verdejante também no centro da cidade. O mundo tão perto mas tão longe dali. Vou ao CAM, decido. O Centro de Arte Moderna é a próxima paragem e faço uma pausa na escrita.
Ponho na porta deste post um
VOLTO JÁ

***

Mente exercitada. Falta o corpo. Vou e fui.
A tarde está passada, mas não o dia, que ainda tem trabalho pela frente. 
Muito trabalho, mas muito inspirado.



terça-feira, 4 de novembro de 2014

Deixa-me submerso (Ficção, 2006)



Enquanto se estava a afogar, vários pensamentos vieram à tona. Não o da morte. Nem o da vida em flashback. Nunca percebera como é que isso se passava com as outras pessoas que têm experiências idênticas, nos relatos da TV.

Não via a sua vida nem a cores, nem a preto e branco, ou sequer a sépia. Se a visse, vê-la-ía como recorda as fotos dos primeiros anos da sua vida, nos finais da década de 70... tão maravilhosamente esbatidas mas com nitidez suficiente para se recordar.
Enquanto o corpo, lentamente, mergulhava, esbracejava e conseguia sentir o frio da água e o frio da música que ainda conseguia ouvir no iPod. Tal e qual um baptismo forçado.
A vida não transbordava mas lembrava o rosto daquela que amava. E de todas as outras. Mas era no azul dos olhos dela que queria mergulhar. Não ali.

Enquanto esbracejava e tentava, agora com mais força (ou mais vontade), salvar-se, várias imagens, não bóias, vinham à tona. E ele à toa...

Enquanto o salvavam, desejou que tivessem demorado um pouco mais. O iPod continuava a tocar a música que fazia a banda sonora do seu afogamento e “Um pouco mais...”, desejava ele: queria isolar-se de todas as pessoas, da cidade, da confusão, da multidão. Queria afogar-se no afastamento de tudo aquilo. Mas voltou. Alguma coisa o salvou.

Tiraram-lhe, finalmente, os fones dos ouvidos e o salvamento terminou.

Diz-se que o último que fala é que tem razão. Talvez seja o último que morre.

Imagem :
"Ophelia" (pormenor), 1851-1852
Sir John Everett Millais (Tate Britain, Londres)
Ofélia é uma personagem da peça Hamlet, de Shakespeare, que canta antes de se afogar num rio na Dinamarca.

***
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sábado, 1 de novembro de 2014

Jardins-Memória : O Príncipe dos Jardins


O Jardim do Príncipe Real foi um dos jardins da minha infância. Nele brinquei e dele guardo memórias que perduram até à minha infância atual. Nele se encontra a Mãe de Água, reservatório que inicia um longo percurso subterrâneo de curso de águas, que tem no Aqueduto o seu expoente máximo. Dele confluem outros 'leitos', várias ruas que dão acesso a várias outras e outros locais igualmente emblemáticos. 
Um dos lados do jardim vai 'desaguar' ao início da Rua do Século, que encontra o seu fim entre o Calhariz e o cimo da Calçada do Combro. 
Dessa parte do jardim, onde se encontra a enorme e secular árvore cuja folhagem cobre um considerável diâmetro e bancos, vê-se o edifício de arquitetura única onde está estabelecida a Liga dos Amigos dos Hospitais.

Outro lado tem afluentes, um dos quais vai dar ao Jardim Fialho de Almeida, na Praça das Flores, que por sua vez vai encontrar, um pouco mais abaixo, a Rua de São Bento (e daqui à Estrela). É nesse afluente, da Rua do Jasmim, que se encontra a minha segunda escola primária, que me acolheu da terceira à quarta classe e onde acolhi, entre ensinamentos básicos indispensáveis, algumas reguadas e puxões de orelha - poucos, memoráveis mas perfeitamente dispensáveis (já nessa altura eu mostrava o meu lado witty wit). Dessa rua avista-se o rio e a ponte sobre ele. 

No lado oposto começa a Rua da Escola Politécnica, onde a meio se encontra a entrada para o Jardim Botânico e o Museu de História Natural. Uma das suas principais artérias é a Rua de São Marçal, que parece não parar de descer e, por isso mesmo, convidava-me a desportos radicais como andar de skate. A partida iniciava no British Council (onde anos... muitos anos mais tarde iria estudar inglês).  Foi aí que me iniciei nessa aventura sobre rodas, quase sempre sentado (pois a descida é íngreme). Essa rua é teimosa a descer e encontra, no seu fim, a Rua do Poço dos Negros, não sem antes se cruzar com a estreita rua onde eu morava, de onde se avistava o Palácio de São Bento, mais conhecido pela Assembleia da República. 

Ainda desse lado do jardim, mesmo em frente a ele, fica um edifício que sempre me espantou e atraiu, desapontando-me nos últimos anos o estado de abandono a que chegou. Recentemente foi reabilitado e acolhe uma série de lojas que oferecem muito design sobre várias formas. Chamou-se ao espaço desse antigo palácio Embaixada. Ao lado dele pode descer-se uma pequena rua até ao Jardim Alfredo Keil ou da Praça da Alegria, que é um cantinho verde e simpático junto ao (ainda) Parque Mayer e à Avenida da Liberdade.


O Jardim do Príncipe Real  é o ponto onde acaba a Rua da Escola Politécnica e começa a Rua D. Pedro V, que tem algumas lojas de antiguidades e antiquários, e mimosas casas antigas, uma dela uma pastelaria que mantém, no seu interior, uma decoração e estilo entre a Arte Nova e o Clássico, um local de paragem obrigatória para um bolinho (e nada cara*), antes de começar a descer para o Jardim António Nobre, mais conhecido pelo miradouro de São Pedro de Alcântara. Ou então pode passar por baixo de uma discreta arcada que dá acesso a um restaurante com uma esplanada que já se encontra nos itinerários das melhores de Lisboa, o LostIn, um sítio cozy, colorido, simpático com uma vista soberba para as outras colinas de Lisboa. 

Por muito que tenha andado, descido e subido, a pé ou pelas palavras deste post, nunca cansa o passeio.

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* Um croissant com creme e um galão, por exemplo, custam apenas 1,70€, com direito a uma viagem no tempo e um cheirinho a pão a cozer que abre qualquer apetite mais fechadito.
Nota: as imagens não têm, propositadamente, legenda, para que seja cada um a descobrir a sua origem, e outros cantos não mostrados.


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