segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Texto dramático e(m) espetáculo teatral (Ensaio)


O conceito de arquitextualidade não é (nem deve ser) entendido como um juízo de valor acerca de determinado texto ou obra. Quer isto dizer que, muito embora sirva à classificação literária, e com esta, a fácil contextualização do género a que se refere,  o assunto sobre as categorias arquitextuais não deve ser encarado como um “sentido único” e “obrigatório”.

Esta minha primeira reflexão serve apenas para introduzir uma temática que me é muito querida e fascinante desde há uns anos: o teatro. No entanto, o estudo desenvolvido sobre a mesma, enriqueceu a minha visão relativamente à forma como os modos da literatura podem ser encarados, nomeadamente o drama.
Como Carlos Reis nos apresenta, o modo dramático forma, juntamente com o narrativo e o lírico, uma tríade «fundamental da produção discursiva literária» (2008:243). À partida, qualquer texto será classificado sobre um destes modos, e, “abaixo” destes, outros géneros “derivados” que, embora não “dominem” o assunto, são «qualidades essenciais» que estão, de alguma forma presentes, como Roman Ingarden terá afirmado  (Reis, 2008: p.245).

O drama (como conjunto de textos que pertencem ao modo dramático) é mais do que um texto literário (como o narrativo e o lírico), sendo vasto o estudo dos diversos campos que lhe são inerentes. Ingarden, em 1930, organizou as modalidades do texto dramático, as réplicas (as falas das personagens – ou discurso dramático) e as didascálias (as indicações cénicas num texto), em texto primário e secundário, respectivamente. Ao público chegará o desenrolar dos acontecimentos – a acção – através o texto primário. O secundário “diluir-se-á” na interpretação cénica.
Quando o texto dramático é representado, “transforma-se” em espectáculo teatral. Enquanto não for levada à cena, a peça de teatro não “é” teatro, porque lhe faltará o texto cénico. 
Por sua vez, a autoria da peça não é, necessariamente, a mesma do texto literário (Solmer:82) e, por outro lado, o texto dramático é “apenas” parte do processo de construção do espectáculo teatral (idem: p.86).
Sobre este modo de espectáculo, não posso deixar de parafrasear Martins Esslin que, na sua obra “An Anatomy of Drama”, brilhantemente nos apresenta o instinto de representação como «uma das actividades humanas básicas, essencial para a sobrevivência do indivíduo e para a das espécies» (Reis, 2008: p.267). A actividade humana de que nos fala Esslin, é a acção (palavra que etimologicamente deriva de drama) que revemos nas personagens que teatrealizam o dia-a-dia de todos nós.

Quando Carlos Reis afirma, relativamente ao modo dramático, que o «drama solicita [...] uma actualização processada através do espectáculo teatral» (2008:266), considerando ser um aspecto muito importante deste modo, quer dizer que é necessária a sua transposição ou concretização, através da performance dos actores e de todos os intervenientes no espectáculo de teatro. Essa “necessidade” é uma das diferenças entre o texto dramático e o narrativo (a par da ausência de narrador, no caso do primeiro) e, como deixa claro Maria Helena Serôdio (na sua elucidativa definição de drama), sem essa transposição cénica, pode mesmo dizer-se que o modo dramático fica “menorizado” ou incompleto. Afinal, a palavra “teatro” deriva exactamente do vocábulo théatron, que em grego designa o “local onde se vê” uma determinada acção ou acontecimento. Esse espaço é onde o texto dramático será transposto, “transformando”, de certa forma, os elementos pré-existentes que o caracterizam (embora provisoriamente) como obra literária, numa representação do texto teatral perante um público.

Pode então, em sequência dessa transposição, afirmar-se que o texto teatral liberta-se do carácter literário, uma vez que “abandonou” o texto “primordial” (o dramático) que lhe deu origem? Segundo Solmer, «a partir do momento em que um espectáculo nasce e é criado por um autor, o texto pode tornar-se impublicável como objecto literário porque não existe um material que faça sentido “ler” fora do espectáculo» (Solmer:87).
«No teatro o autor desaparece atrás do mundo que criou.» - Ricardo Sérgio 
Imagem : http://interiordesignable.com/
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REFERÊNCIAS E CONSULTAS BIBLIOGRÁFICAS

CEIA, Carlos – “E-Dicionário de Termos Literários”, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, (s.d.), in http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/ (consulta em 17/12/2009);
REIS, Carlos; LOPES, Ana Cristina M. – “Dicionário De Narratologia” – (Almedina, 1990);
REIS, Carlos – “O Conhecimento da Literatura - Introdução Aos Estudos Literários” (Almedina, 2008); 
SOLMER, Antonino – Manual de Teatro (Cadernos ContraCena, Edição Instituto Português de Artes do Espectáculo, 1999);
TEIXEIRA, Maria Ascensão e BETTENCOURT,  Maria Assunção - Língua Portuguesa (Texto Editores, 2004), in www.educacao.te.pt/;

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