quinta-feira, 12 de junho de 2014

Escrita quadra-da



Este ano no dia 13 de junho o santo padroeiro de Lisboa dá mais um feriado para festejar, com arquinho, balão e mangerico a acompanhar. No mesmo dia 13, mas de um junho de 1888, nascia no largo de São Carlos em Lisboa (no número 4, 4º. esquerdo, para os mais curiosos dos pormenores factuais) uma pessoa que foi poeta e que não por acaso também foi Pessoa de sobrenome. Mas se foi poeta, o mais correto é dizer que ainda "é", já que esta espécie literária tem o dom maravilhoso de se tornar eterna. Bem, não é que todo o poeta o seja, mas este, que sentiu tudo de todas a maneiras, sinto muito mas já está eternizado na literatura portuguesa.

Até sentiu as quadras populares à sua tão caraterística maneira:

A quadra é um vaso de flores que o Povo põe à janela da sua alma. Da órbita triste do vaso escuro a graça exilada das flores atreve o seu olhar de alegria. Quem faz quadras portuguesas comunga a alma do povo, humildemente de todos nós e errante dentro de si próprio. Ser intensamente patriótico é, primeiro, valorizar em nós o indivíduo que somos, e fazer o possível por que se valorizem os nossos compatriotas, para que assim a Nação que é a suma viva dos indivíduos que a compõem, e não o amontoado de pedras e areia que compõem o seu território, ou a coleção de palavras separadas ou ligadas de que forma o seu léxico ou a sua gramática — possa orgulhar-se de nós que, porque ela nos criou, somos seus filhos, e seus pais, porque a vamos criando.
E deixou algumas, bem diferentes da poesia a que nos habituou:
Cantigas de portugueses
São como barcos no mar 
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.

A caixa que não tem tampa
Fica sempre destapada
Dá-me um sorriso dos teus
Porque não quero mais nada.

No baile em que dançam todos
Alguém fica sem dançar.
Melhor é não ir ao baile
Do que estar lá sem estar.

Vale a pena ser discreto?
Não sei bem se vale a pena.
O melhor é estar quieto
E ter a cara serena.

Tenho um relógio parado
Por onde sempre me guio.
O relógio é emprestado
E tem as horas a fio.

Aquela senhora velha
Que fala com tão bom modo
Parece ser uma abelha
Que nos diz: "Não incomodo". 

Não digas mal de ninguém,
Que é de ti que dizes mal.
Quando dizes mal de alguém
Tudo no mundo é igual.

Quando vieste da festa,
Vinhas cansada e contente.
A minha pergunta é esta:
Foi da festa ou foi da gente?

Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta.
Se é mentira, escreve leve.
Se é verdade, não tem tinta.

Deixaste cair a liga
Porque não estava apertada...
Por muito que a gente diga
A gente nunca diz nada.

Não há verdade na vida
Que se não diga a mentir.
Há quem apresse a subida
Para descer a sorrir.

Santo António de Lisboa
Era um grande pregador
Mas é por ser Santo António
Que as moças lhe têm amor.
Quadras ao gosto popular, Fernando Pessoa em 
O rosto e as máscaras


SABIA QUE...
Pode encontrar as obras de Fernando Pessoa gratuitamente (em domínio público) aqui.

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