sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Desliga o teu ecrã



Almoço de domingo.
Família reunida. Como é verão e a altura é de férias, encontram-se ainda mais pessoas à mesa, entre primos e tios, pais e mães, irmãos, cunhados e enamorados. A temperatura é convidativa ao grelhado e a mesa é posta no quintal. As conversas são como se querem, banais, e cruzam-se, como é habitual e normal quando há tanta gente a querer contar a sua história ou a sua anedota. Alguns episódios interessam, outros nem por isso. Uns interessam-se por eles, outros fingem interessar-se. Faz parte.

O ritual de comer termina mas não o almoço. Esse prolonga-se. Sem se dar por isso, na mesa já só há migalhas e alguns pedaços de pão. Os copos ficam porque com o calor a sede, ao contrário da fome, vem e vai mais vezes. As conversas continuam a interessar uns e a embalar outros, que entretanto já cochilam, de barriguinha cheia e a moleza que a costuma acompanhar.

À parte, um dos elementos da família não se interessa nem finge interessar-se pela conversa e agarra no seu apêndice. Leia-se telemóvel. À parte, embora no mesmo grupo. Apêndice, daqueles órgãos que fazem parte de todo o ser humano, mas sem o qual se pode viver bem. Descobriu-se recentemente que afinal tem uma função e utilidade no nosso corpo. Como o telemóvel. Não é vital, mas precisamos dele para viver. Ou disso a sociedade de informação e telecomunicação nos convenceu. Este hábito é já um vício que aflige muita gente e já há especialistas a tratar dele. Já me debrucei, ligeiramente, sobre ele num post anterior.

Agarrado ao apêndice aquele membro da família desconecta-se das relações humanas que ali estão, ao vivo, para se conectar a outras redes ou simplesmente para alimentar mais um viciante jogo digital. O cúmulo é tirar uma selfies com as cabecinhas da família toda e os restos de comida em segundo plano para se dizer numa qualquer rede social que se está a sociabilizar. Não está nada. Está-se a ignorar os outros, está-se a marginalizar da interação pessoal.

Atenção: nada contra a tecnologia nem a rede que se diz social. Ela consegue sê-lo, quando é partilha, mais do que objetivo. Quando consegue ser um ponto de partida numa qualquer conversa. Quando despoleta concórdias ou discórdias, sorrisos, amizades, causas... Não quando promove a alienação do mundo. Por mais interessante que o outro, o das apps-maravilha, seja. É preferível não estar de corpo, do que deixá-lo sem alma à mesa. Ah, e podia pensar-se que o tal membro da família seria uma criança ou um adolescente. É legítima a presunção, ainda que não desculpe o gesto, como muitas vezes já vi em almoços ou jantares de família em restaurantes.

Os números ‘dizem’ que 3,5 mil milhões de peças e conteúdos são colocados nessa rede social pelos utilizadores a cada semana, que estão ativos no Twitter 100 milhões de utilizadores e que a Google recorre a 900 mil servidores para responder à carga necessária para os seus serviços. Ou que na União Europeia 77% dos jovens têm perfil em redes sociais e que 44% das crianças dizem não saber alterar os parâmetros de privacidade nessas páginas. Os números mostram, ainda, e particularmente em Portugal, que 38% dos jovens, com idades entre os 9 e os 12 anos, e que 78% com idades entre os 13 e os16 anos, estão presentes nessa redes.

Os números não mentem.
Eles mostram, por exemplo, o aumento de literacia informática, ao mesmo tempo que diminui a preocupação com a segurança na disponibilização de dados pessoais na rede global.
Os números dizem muito. Mas dirão tudo? 

Eu não me lembro de, quando era criança ou adolescente, alguma vez levar para a mesa de jantar (dentro ou fora de casa) o gameboy, o (viciante) jogo do tetris, o coco-crash entre outros jogos legendários ou qualquer outro jogo solitário. Seria hipócrita se não admitisse que, como milhões de famílias em todo o mundo incluindo em Portugal, eu não tenha passado - ou ainda passe - a sagrada hora da refeição a ver televisão. Um hábito adquirido que tento contrariar. Juro. Mas compreendo que é difícil cortar com ele quando à nossa volta há outras forças que o impedem. Por forças entenda-se pessoas. Crianças incluídas.

O tal membro da família que referi não é uma criança ou um adolescente, mas um adulto, a quem apetece fazer como o personagem da série animada American Dad, do grafitty que fotografei um dia destes quando descia a Calçada da Glória, em Lisboa: desligar-lhe o ecrã.


Na Internet a cada minuto
  • 20.000 novos comentários no Tumblr,
  • 6.600 novas fotografias no Flickr, 
  • 98.000 tweets (e 320 novas contas no Twitter e 100 no LinkedIn), 
  • 600 novos vídeos no YouTube, 
  • baixadas 13.000 aplicações para o iPhone, 
  • registados 70 domínios na Internet, 
  • enviados 168 milhões de e-mails, 
  • feitas quase 700 mil procuras, 
  • atualizados 695.000 estados no Facebook, 
  • ocorrem 11 milhões de conversações nos instant messengers, são efetuados 370.000 minutos de chamadas de voz através do Skype,
  • são ouvidas 13.000 horas de música (em streamming) no Pandora,
  • são vendidos 710 computadores (dos quais 232 são infetados com vírus eletrónicos), 81 iPads, 925 iPhones, 103 BlackBerry, 11 Xbox, 18 Kindle Fire, 2.500 cartuchos de impressão, 
  • são cultivados quase 4 milhões e meio metros quadrados de ‘terra’ no FarmVille, que ajudam a gerar algumas das 38 toneladas de e-lixo.

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