sábado, 30 de agosto de 2014

A revista revistada e revisitada


À tarde o grupo combinado encontrou-se numa esplanada dos Restauradores, para a habitual cavaqueira alegre antes do jantar, que aconteceria de improviso também numa esplanada mas na Rua das Portas de Santo Antão, com direito a grelhados, marisco ou outros petiscos lagareiros, acompanhados da animação de rua. O cantante de música popular nacional e internacional era som ambiente, seguindo-se-lhe o malabarismo frenético de um grupo de capoeira. O convívio foi ameno mas divertido, como sempre. A conta foi paga a correr para não perdermos o início do espetáculo, quase a começar. Mas foi só atravessar a rua.

Portugal à Gargalhada (PG) começa com um quadro/sketch que tenta misturar a ficção com a realidade que os espectadores têm oportunidade de presenciar ao vivo antes da entrada na sala. O boneco imita o La Féria - fúria para algumas más línguas inimigas ou outras boas línguas amigas que já sabem que o feitio compensa a genialidade - que adora o pregão do 'olhó programa', compra que sempre ajuda com mais uns preciosos trocos para se pagar a preciosa produção com que nos brinda.

O início é tipicamente revisteiro, mas gostei muito mais do início da anterior revista, vista um ano antes (Grande Revista à Portuguesa - GRP), com uma sátira estilizada dedicada aos senhores da Troika que na altura estavam por cá. Essa foi igualmente boa, mas é a esta que dedico as palavras de hoje.

Não acho particular graça às habituais frases rimadas de algumas cenas, embora seja o estilo próprio do teatro daquele encenador-diretor-rp-marketeer-e-tudo-e-tudo, excetuando aquela da sempre brilhante Marina, que sem preconceitos nos mostra um dia a dia de uma personagem, desde que acorda, até tomar banho, colocar um tampão, ter uma dor de barriga, tentar aliviar a tripa sem sucesso e sair para o trabalho. Quase sempre a rimar e em brilhante monólogo, claro.

Idêntico brilho tem Monchique, principalmente no já conhecido boneco da saudosa Amália, com contracenas interessantes de Garrett, Sophia ou outras personalidades que se encontram (ou desejam estar) no Panteão Nacional. A preta interpretada mais uma vez pela Marina deixa o público a rir conforme o título do espetáculo, mas a essa atriz cantora se deve outra memorável cena em que num palco do São Carlos interpreta uma cantora lírica que gosta de misturar, em alguns temas muito conhecidos de ópera, letras de outros conhecidos fados. O resultado é hilariante muito por causa da sua voz e da sua genial interpretação. Memorável a música do tema Barcelona em que fazendo de Monserrat Caballet é acompanhada por um cantor igualmente bom, o Ricardo Soler, que faz um Freddie Mercury ao nível daquela cantora.


O cartaz é também encabeçado pelo José Raposo e pela Maria João Abreu, reis do teatro de revista, que La Féria foi rebuscar para voltar, nesta produção, ao mar teatral em que tão bem sabem nadar. Afinal, os bons filhos às águas revisteiras entornam. É bom para o público que estes tão bons atores de vez em quando deixem os ecrãs para nos brindarem com estes momentos únicos da arte efémera que é o teatro.

Também são de referir os restantes bons profissionais e experientes artistas, como a cantora-atriz Paula Sá, Patricia Resende, Filipe de Albuquerque, Bruna Andrade, Paulo Miguel e David Mesquita, que completam um elenco de cerca de 70 elementos, entre atores, cantores, músicos e bailarinos.
Mas Filipe La Féria partilha os louros da autoria com Helena Rocha, ficando a coreografia a cargo de Marco Mercier e a direção musical a Mário Rui.

A produção comunica que esta revista, como qualquer musical deste género que se preze, leva ao palco do Politeama "a crítica bem-disposta e mordaz à situação do Portugal dos nossos dias e aos seus protagonistas, passando em revista a nossa atualidade política, económica e social com uma crítica acutilante e mordaz, plena de humor [e] música".
Três horas de grandes e rasgados sorrisos depois, regressa o público à vida real, provavelmente menos engraçada do que aquela vida falsa, mas de riso e felicidade verdadeiros.
Já fora do teatro as pessoas dispersam-se. Vai já alta a noite e o meu grupo também se vai despedindo, com tempo. Devagar, caminhamos na noite e momentos depois passam por nós, já desmascarados e sem graça, Marina Mota e Joaquim Monchique, que congratulamos com entusiasmo pelo bom trabalho.

Sim, que para eles é 'apenas' trabalho. Mas para nós - para mim, pelo menos - todo aquele trabalho, toda aquela produção, toda esta indústria é um serviço de boa disposição prestado à sociedade e ao mundo artístico.
Quer se goste ou não deste género de teatro, tantas vezes desprezado pelos intelectuais mais conservadores ou pelos liberais mais intelectualóides. 
Eu, pelo menos, revejo-o sempre com bons olhos, como da primeira vez em que participei numa revista (amadora) - Saídas da Casca - em meados dos anos 90, a minha primeira experiência teatral, que me abriria novos olhares para este mundo de faz de conta. Muita areia desde então correu no meu percurso. Lembro-me agora que nessa altura fui ver uma revista - Mama eu Quero - em que entravam, precisamente, Maria João Abreu e Joaquim Monchique (entre outros, claro), em papéis que nunca esquecerei. 

Um obrigado grande a todos os profissionais desta arte e um especial à encenadora de Saídas da Casca, Elisabete Lobo, que na qualidade de atriz de Mama eu Quero, mais do que uma vez me levou aos seus bastidores. Ainda hoje teima - muito bem - em fazer com que esse género não morra no concelho do Seixal. Mesmo de forma amadora, o amor por esta arte não deixa de ser verdadeiro.

Não tentei ser analítico da revista que aqui revistei ao ponto de me levar às memórias que acabei por revisitar ao de leve. Não o pretendia. Mas sugiro a leitura da análise que Nuno Lopes faz na página Dezanove (com direito a comparação pertinente com a anterior GRP). Mas melhor, melhor, é assistir ao vivo. A rir. No teatro, claro.


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