quinta-feira, 3 de julho de 2014

Mussorgsky contou-me uma história


Foi em forma de música que o compositor russo Modest Mussorgsky (1839-1881) me contou hoje uma história, através da interpretação prodigiosa, ao piano, de Pedro Costa, um jovem pianista português, que nasceu em Macau, quase cem anos depois da morte do compositor. Sim, com a música também se podem construir narrativas, contada neste caso por dois homens separados por um século. O compositor do século XIX levou-me através dos Quadros de uma Exposição, uma peça que escreveu em 1874, depois de ter visitado uma exposição do amigo pintor e arquiteto Viktor Hartmann. São dez os locais mágicos, por onde sou guiado em passeio acústico-visual, juntando nesta suite as duas artes: música e pintura.

No início do passeio encontro gnomos e outros seres que só a imaginação de cada um consegue inventar, ajudado, sempre, pelo bater nas teclas do piano, que maravilhosamente criam sons. Regresso ao passeio e avisto um velho castelo medieval italiano ao longe. Quem viverá ali? Passeio nos pensamentos e encontro o jardim das tulherias e um carro de bois. Será que em cima dele, e por causa deste passeio, surge um ballet dos pintainhos nas cascas de ovo (na imagem) que os dois judeus (um rico e um pobre), Samuel Goldenberg e Scuyle, lá puseram? 

O ritmo repete-se, para que não me perca em passeio, e chego ao mercado de Limoges, onde me sugerem uma descida às catacumbas, com um sepulcro romano onde provavelmente jazem heróis. Não tento falar com os mortos em língua morta. Deixo as profundezas e regresso à cabana da feiticeira Baba-Yaga sobre patas de galinha, pé ante pé, tentando não fazer barulho. Mas o som estridente acorda de dentro do instrumento de cordas, pelas mãos enérgicas do concentrado Pedro. 

- Não lhes batas mais, peço eu.

Mas ele bate os pés e os dedos, ignora-me e com toda a pompa acaba por abrir a grande porta de Kiev
Ufa, até eu estou cansado.
Pensar que o pobre pianista esteve durante quase todo o passeio a escorregar do banco onde se sentava, tocando concentrado para não cair! E eu enganado, a julgar que era o Mussorgsky que lhe estava a dar trabalho. Estava, claro. Um trabalho que termina com a ovação de um público de quase cem pessoas (são suficientes, garanto), que o fazem regressar com os entusiásticos aplausos.
Que belo passeio pela História da música e pela narrativa de Mussorgsky.


Nota: os itálicos referem os nomes dos andamentos da suite - catorze, ao todo, contando com os passeios, que intercalam os quadros. A repetição da palavra é, portanto, propositada e quase parece uma figura de estilo.

Uma versão desta peça, de 33 minutos, com interpretação de Charles Finnegan, pode ser ouvida (e vista) em baixo.




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