sexta-feira, 18 de julho de 2014

O dia em que estraguei a cena à Nicole Kidman

Era outro dia normal de trabalho. Era um dia de verão, daqueles intermitentes, cujo calor ora vem ora vai. Nesse tinha vindo. Subi a escadaria do Palácio, como habitualmente. Vi que estava tudo em ordem no Salão Nobre. Quando cheguei à Sala seguinte, que num dia comum costuma estar meio escura, com as portadas fechadas para não entrar sol nem calor (nem vida), para minha surpresa, estava iluminada. Duplamente iluminada. As portadas estavam abertas, daí o sol. As luzes acesas, com holofotes de uma filmagem ligados, daí a iluminação. Parece que estavam a filmar uma cena para um filme. Não avisaram este segurança, mas tudo bem. Estas cenas são habituais.


Passei os olhos pela sala, a admirar a azáfama, aproveitei para ver se estava tudo bem. De repente os meus olhos passaram por uma figura alta e esguia, loura e bonita, uma mulher com um vestido esplendoroso. Não percebo nada de moda, por isso não consegui distinguir se era Chanel. Mas percebo de cinema e de mulheres bonitas, por isso identifiquei logo a atriz, estrangeira: Nicole Kidman. Esplendor ao vivo. A sala estava triplamente iluminada.

Hesitei. Pensei em ir ter com ela, ela estava numa pausa de uma cena, junto a uma das janelas e o sol que dela irradiava multiplicava o seu esplendor, ao refletir nos cabelos louros e a iluminar-lhe os olhos, ainda mais claros pela luz que vinha dos Restauradores. Hesitei novamente, mas não podia deixar passar a oportunidade. Não queria autógrafo. O que me apetecia era algo... mais. Como o meu desejo por aquele chocolate branco não se esvanecia, ganhei coragem, aproximei-me da janela e disse-lhe, quase a sussurrar, quase a cantar:
- We should be lovers...

Ela entendeu, mas não replicou nem pareceu surpreender-se. Desviou o olhar como que a dizer "Não podemos!". Eu voltei à carga, dizendo-lhe baixinho que “We should be lovers! And that's a fact. We could steal time... Just for one day. We could be heroes, Forever and ever.” Ela parecia fixada no sinal do Hard Rock Café, do outro lado da Praça e sem olhar para mim perguntou-me o que é que eu realmente queria. Levei a mão ao bolso e ela nesse momento virou-se, talvez assustada. Puxei do meu telemóvel e perguntei-lhe:
- Podes tirar uma selfie comigo?
(Nesta altura ela até português já entendia.)
Não negou o meu pedido e antes que a sua assistente viesse em seu auxílio, tirámos rapidamente a selfie. Separámo-nos logo de seguida e cada um seguiu o seu caminho e o seu trabalho: ela a filmar mais uma cena, eu a acenar-lhe, retomando a minha rotina, circulando, sozinho, a vigiar e a vaguear pelas restantes salas nobres do Palácio. Não consegui partilhar imediatamente a fotografia no Facebook. Fiquei a olhar para ela e comecei a trautear uma música, inspirado por aquela musa.
- It’s a little bit funny, this feeling inside. I’m not one of those who can easily hide. I don’t have much money but if I did…
(Nesta altura eu já tinha aprimorado o meu inglês.)
Perdido na cantoria, distraído pela sensação que ainda tomava conta de mim, encontrei um microfone no chão, provavelmente deixado cair pela produção. Peguei nele e continuei a cantar, ainda inspirado:
- Don't, leave me this way. I can't survive, without your sweet love, Oh baby, don't leave me this way.
Não sei exatamente o que se passou a seguir. Pensava estar só naquela sala, mas um homem estava a um canto, a ouvir-me. Veio ter comigo e disse-me que era o realizador do filme e que queria que eu participasse nele.
- Mas eu sou só um segurança.
Disse-lhe eu, que naquele momento não segurava nada, a não ser o microfone. Mas ele não estava a brincar. Fez de mim o protagonista do filme e de um momento para o outro o estrelato não estava do lado daquela atriz australiana, esplendorosa, mas do meu. Eu era quem lhe roubava as atenções. Depois de filmarmos a última cena, ouvi a Nicole a dizer, ao longe, em tom invejoso e com desdém:
- Some people wanna fill the world with silly love songs.
(Nota: esta cena foi tirada, e inspirada, de um sonho verídico.)


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