quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Nossa, que biolência



É impressionante a quantidade de programas de televisão cujo conteúdo se baseia ou é maioritariamente constituído por imagens de criminalidade, que na maior parte das vezes inclui violência. A violência nos canais de televisão é banal(izada) e muitas vezes gratuita, começando nos quatro canais generalistas (RTP1, RTP2, SIC e TVI), e estendendo-se pelos canais por cabo. Uma breve passagem de olhos pela grelha de programação desses canais não deixa dúvidas para esta banalização a que a sociedade portuguesa tem facilmente acesso diariamente. Basta ligar a TV.
Observei uma semana desta programação e verifica-se. As observações que aqui deixo não são exaustivas nem analíticas, mas deixam muitas pistas sobre a banalização que refiro e deixo a pergunta: haverá relação entre a violência existente na televisão que temos com a realidade violenta que existe no mundo?

Apesar de tudo, nos canais generalistas da televisão portuguesa a maior parte da grelha não é ocupada com uma programação que particularmente inclua violência. Os casos pontuais verificam-se nas telenovelas e, sobretudo, nas notícias que dão conta de crimes - muitas vezes violentos, o que justifica ainda mais a sua inclusão no jornal, como notícia - ou no comentário demasiado breve de alguns crimes, feito nos programas diários durante a semana que ocupam a maior parte da manhã ou da tarde. Habitualmente esta análise é feita por especialistas minutos antes das notícias das 13:00. 
A violência também entra pelos ecrãs destes canais através dos filmes. Dos quatro, a RTP2 é aquele onde menos se encontram imagens deste teor (excetuando os noticiários diários mas de reduzida expressão em relação à restante programação deste canal). 

Não distingui os períodos de fim de semana com o resto dessa semana, mas o horário.
Por volta da meia noite, na RTP, Safe (2012), um filme estadunidense de género ação, aventura e crime. O poster mostra precisamente o protagonista a apontar uma arma ao... espetador!
Gomorra (2008), filme italiano sobre a máfia napolitana, a Camorra. "Dois rapazes roubam cocaína de um grupo de colombianos e são advertidos por Giovanni um dos chefes. Porém roubam armas de um esconderijo e depois assaltam um bar." Droga, crime, logo, violência. No poster os jovens protagonistas também empunham armas.
Arrow (2012), é uma série estadunidense baseada no personagem de BD Lanterna Verde, Oliver Queen, um playboy que se perde numa ilha deserta e que após cinco anos retorna para combater o crime e a corrupção de sua cidade.
Liberdade 21 (2008), é uma série portuguesa de género judicial. Ora, havendo necessidade de justiça e advogados, pressupõe a existência de combate ao crime. 

Na SIC esse fim de semana começa na sexta-feira à noite, depois da ultima novela ( da meia noite) com Investigação Criminal - Los Angeles (2009-), uma série estadunidense sobre o Departamento de Projetos Especiais (OSP - Office of Special Projects), "uma divisão da NCIS que tem a missão de prender criminosos que significam uma ameaça à segurança da nação" (americana). A noite continua com a série  também americana Mentes Criminosas (2005-), que já vai na 9a temporada, "sobre a UAC (Unidade de análise comportamental), uma esquadra de elite do FBI, com sede em Quantico, Virgínia. A equipe analisa criminosos do país por meio do Modus Operandi e a Vitimologia dos mesmos e antecipa seus próximos movimentos antes de eles golpearem outra vez. Neste quesito, a série difere-se de outros dramas policias por focar mais no comportamento criminal do suspeito do que o crime em si." 

A noite de sábado começa com O Contra-Ataque (2010), uma série inglesa sobre uma unidade secreta de inteligência militar britânica que combate o crime, sobretudo terrorista. O poster tem duas silhuetas de militares empunhando armas, com um fundo em tom vermelho (sangue) e um grafismo radial em contraste formado por balas. A composição fica composta com a frase que lhe serve de slogan: "O mundo não se salva a si mesmo." (No original "The world's not saving itself.") É por isso que são precisas armas (muitas armas) e violência (muita violência) para combater as armas e a violência no mundo. Faz sentido, não faz?

Há duas séries na programação infantil das manhãs de fim de semana que gostava de referir, não pela violência dos conteúdos mas pelo seu 'perigo' cómico. O primeiro é a série portuguesa com um título a indiciar um humor negro: A Família Mata (2011). O segundo é a série australiana Sam Fox - Aventuras Extremas (2013), sobre um adolescente que atrai a si às mais diversas situações de perigo: tubarões assassinos, leopardos, tornados, vulcões, escorpiões mortais e anacondas, entre outras. O lugar é de aventura e perigo, não propriamente incitando à violência, embora as imagens suscitem uma emissão extra de adrenalina nas crianças e jovens. 
A SIC tem atualmente em exibição uma mini telenovela brasileira, O Rebu (2014cujo enredo gira à volta de uma misteriosa morte.

É verdade que nem todos os crimes pressupõem violência. Mas estão quase sempre associados a maldade ou má conduta, que convém erradicar da sociedade. Mas como é que a sociedade se pode ver livre de atos cruéis, se o Homem tem em si maldade? Não pretendo dar uma aula de moral, mas acredito que ao refletir sobre a imoralidade que existe no mundo - e que o média televisivo expõe com vulgaridade - faz de mim uma pessoa com maior consciência e, logo, querer ser uma pessoa melhor, sem pensamentos ou atos maus. Consequentemente, mais feliz. Como dizia Epícteto:

"Se queres ser bom, convence-te primeiro que és mau."

O média também não é o problema, já que às pessoas cabe o julgamento e a filtragem necessárias para a sua vida. Afinal, eu também cresci a ler histórias da Agatha Christie ou a ver, sempre muito atento, a série protagonizada por um dos mais famosos personagens das suas histórias, o detetive Poirot. Talvez seja ela, ainda, a principal responsável e inspiradora de todos as séries e filmes friccionados (não reality shows) que vieram depois dela.

O problema é que nem toda a gente tem a capacidade de julgar corretamente as imagens (sobretudo imagens) que vê por forma a que elas se não venham a refletir nos seus próprios atos. A preocupação deve recair, principalmente, sobre os conteúdos a que as crianças e jovens assistem. É que apesar das classificações etárias a que estão obrigados os canais sobre os programas que exibem, a verdade é que isso não impede a que se tenha acesso a eles e em qualquer hora do dia. Uma preocupação que os educadores (pais ou qualquer outros) devem ter. Sem lições, sem moralidades bacocas (do género faz o que digo e não o que eu faço). Para bem da nação. E da televisão.


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