segunda-feira, 12 de maio de 2014

Memórias #2 - Beijos ternos de um barba rija



Do meu avô materno não guardo muitas memórias fotográficas, mas as que tenho estão gravadas no coração. 
Além das poucas fotografias, dele guardo a harmónica que me ofereceu quando eu era criança. Não sei tocar, mas finjo concertos com ela, apenas para ouvir o seu som único, que me lembra as suas calorosas receções de braços abertos sempre que o visitava na 'terra' dos avós. Uma festa para toda a gente. As festas que ele me fazia eram acompanhados de beijos que picavam, por causa da sua barba curta e rija, mas que não magoava. Pelo contrário: era terna como o carinho que ia guardando até à nossa chegada.
Afinal nem todos os beijos ternos emanam amor, nem todos os beijos rijos têm ausência dele.
Afinal a vida também são uma série de desafinações muito bem alinhadinhas umas a seguir as outras. São elas que fazem música para os meus sentidos e que dão sentido às minhas lembranças. 
Não seria tão bom que toda a gente estivesse 'ali' até ao fim dos nossos dias?
Ao menos vivem em nós.

Já escrevia Cazuza:

Eu hoje tive um pesadelo
E levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo
E procurei no escuro
Alguém com o seu carinho
E lembrei de um tempo

Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo

Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei, nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via o infinito
Sem presente, passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
E que não tem fim

De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado

Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás"

Poema, Cazuza
A versão cantada de Ney Matogrosso aqui.



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