quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Dia do leitor (implicado)



Leitor(es) com múltiplas leituras
No dia 7 de janeiro comemora-se o dia do leitor.
O leitor é constituído por uma pluralidade de conceções, como plurais também podem ser os autores. Existem vários tipos de leitores, segundo o dicionário de narratologia: o leitor real, o leitor virtual,  o leitor pretendido (uma "entidade projectada"), o leitor ideal (ambicionado pelo autor de um texto) e o leitor modelo, que tem competências narrativas perfeitas. Para complicar ainda mais, existe também o leitor fictício, o mesmo que narratário, ou seja, aquela entidade fictícia que está incluída na narrativa, a quem o autor do texto se dirige (um destinatário intratextual).

Mas provavelmente grande parte dos leitores está mais perto da definição de leitor implicado:
« [...] uma presença destituída de determinação concreta, não identificado, por isso, com o leitor real, sujeito virtual em função do qual o texto é construído como estrutura a descodificar. "[...] na cabeça do autor real, é a ideia de um leitor possível" (Genette) » - Reis e Lopes, 220
Esta multiplicidade mostra a complexidade de que se reveste a relação entre quem escreve e quem lê. Mas não poderia haver um leitor se não existissem autores ou escritores!


OUTRAS DEFINIÇÕES

Escritor
O escritor é a pessoa, entidade real, “firmemente localizada na história” (Alexander Nehamas) que idealiza e escreve a obra. Baseando-se na sua inspiração, “trabalha a sua palavra” (Roland Barthes), utilizando, para isso, as técnicas de composição, de género e de escrita, absorvendo-se funcionalmente nessa tarefa.
“O escritor é como um artesão que fabricasse seriamente um objecto complicado sem saber segundo que modelo nem para que uso.” - Barthes
Autor 
O autor não é “indivíduo” mas uma “entidade institucional”, legal, que pode ser “entendido como tendo produzido um texto particular quando o interpretamos (Nehamas), deixando a sua “chancela” nas obras - literárias ou outras (Ana Margarida Chora), sendo o responsável pela sua difusão e desejando ser “materialmente recompensado” (Carlos Reis).

Autor implicado
O conceito de autor implicado tenta escapar ao biografismo, que remete imediatamente para o autor e dessa forma responsabiliza-o ideológica e moralmente pela narrativa.
A diferença deste para com o narrador é que não participa directamente: será, antes, um “segundo eu” da/na diegese, uma «versão criada, literária, ideal dum homem real; [...] Até o romance que não tem um narrador dramatizado cria a imagem implícita de um autor nos bastidores, seja ele director de cena, operador de marionetas ou Deus indiferente que lima, silenciosamente, as unhas» (Booth).

Inter-relação entre conceitos
Em 1960, no seu ensaio intitulado “Escritores e Escreventes”, Barthes aponta a Revolução Francesa como um “momento simbólico” em que a linguagem se torna “pública”, deixando de estar exclusivamente em poder dos “escritores”. Segundo ele a escrita é apropriada por um novo grupo, os “escreventes”. A diferença entre estes e os escritores, segundo ele, é que os escritores funcionam dentro dos limites da instituição literária, estrutura intransitiva com regras próprias e distanciada do mundo social, enquanto que para os escreventes “a fala não é senão um meio”, são portadores de um pensamento livre “à margem das instituições e transações”.

O autor, por seu lado, é portador de uma “entidade biográfica e psicológica factualmente reconhecícel extratextualmente” (Helena Carvalhão Buescu). Para Foucault, “a noção de  autor constitui o momento forte da individualização na história das idéias, dos conhecimentos, das literaturas, na história da filosofia também e na das ciências.[...] uma espécie de foco de expressão, que, sob formas mais ou menos acabadas, se manifesta da mesma maneira, e com o mesmo valor nas obras...”. O autor não é simplesmente aquele que escreve e assina os textos; é aquele que lhes confere uma espécie de aura e descrito por Walter Benjamin como “uma figura singular composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante por mais perto que ela esteja.”

Passou-se a uma concepção do autor implicado como entidade personalizada, de estatuto muito semelhante ao narrador. O autor implicado corresponde assim a uma espécie de solução de compromisso, tentativa mitigada de recuperar para a cena da análise da narrativa uma responsabilidade que se não confunda com a do autor propriamente dito. Para S. Chatman, o autor implicado «não é o narrador, mas antes o princípio que inventou o narrador, bem como todo o resto da narração» (Chatman). O autor implicado não projecta no texto a marca da sua presença. Pode ser responsabilizado, quando muito, por uma atitude de harmonização global da narrativa, exercendo sobre o leitor um efeito que é o de permitir «a percepção intuitiva de um todo artístico completo» (Booth).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARTHES, Roland - O Grau Zero da Escrita (Lisboa, 1989); “Escritores e Escreventes”, in Ensaios Críticos (Lisboa, 1977);
BOOTH, W.C. – A retórica da ficção (Arcádia, 1980);
CARDOSO, Miguel - Escritor/escrevente (écrivain/écrivant) - E-Dicionário de Termos Literários da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa – Edição e Organização de Carlos Ceia  (www2.fcsh.unl.pt);
CHATMAN, S. – Storia e discorso. La struttura narrativa nel romanzo e nel film (Pratiche Editrice, 1981);
FOUCAULT, Michel - O que é um autor (Vega, 2002), e BENJAMIN, Walter - A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Sobre arte, técnica, linguagem e política (Ed.Relógio d'Água) - in http://recantodasletras.uol.com.br; 
LANSER, S.. S. – The narrative act. Point of view in prose fiction (Princeton Univ. Press, 1981);
REIS, Carlos; LOPES, Ana Cristina M. – “Dicionário dee Narratologia” – (Almedina, 1990);
REIS, Carlos – “O Conhecimento da Literatura - Introdução Aos Estudos Literários” (Almedina, 2008);
SILVA, Marcia Rios da. - Estampa de Letras: Literatura, linguística e outras linguagens (Quarteto, 2004);




Imagem:
Giuseppe Arcimboldo (1527 - 1593)
The Librarian (1566),

71 x 97 cm (27,9 x 38,1 inches), óleo sobre tela

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