segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Homens e Deuses II : Rei Édipo, de Sófocles


O clássico que cega, mas não cede

Enquanto a epopeia contava os episódios, a tragédia vem mostrá-los. Os autores das tragédias foram buscar o assunto das suas obras à epopeia. Partilha dela a arte de construir personagens e cenas capazes de comover, apresentam o sentimento da vida, inspiram o terror e piedade. Dessa forma visualizamos as cenas e acreditamos no enredo.

Até Ésquilo (525-456 a. C.) só existia um narrador. Ele introduziu duas personagens na acção. Sófocles (496-405 a. C.) terá introduzido três actores e a cenografia, segundo Aristóteles (Poética, 1449 a). Em Eurípedes (480 – 406 a. C.) estas multiplicam-se, numa fórmula e personagens deliberadamente “patéticas” (Romilly). O desenlace das peças é previsível e os autores demoram o tempo de inúmeros versos a descrever apenas sentimentos ou a narrar acontecimentos sem interesse. Ésquilo joga com a previsão e com o efeito de uma certeza crescente. Os sucessores de Ésquilo estimularam a incerteza e o efeito surpresa, para alimentar o interesse nas peças. Eurípides chamará intriga às reviravoltas e peripécias, a que acrescenta surpresas, confusões e reconhecimentos.


Tal como na epopeia, nas tragédias os deuses nunca estão ausentes. Os de Sófocles, embora não tão pesados emocionalmente como os de Ésquilo, nem imediatamente sensíveis, são revelados “à parte”, escapando à imperfeição e ao tempo, «não envelhecem» (coro, no Rei Édipo). Os homens vivem o efémero, são incertos, instáveis e frágeis. Os deuses representam a luz, a perenidade, a serenidade.
O sentimento de Édipo, por exemplo, é de uma intransigência demasiadamente humana. Embora culpado, não se deixa vergar, é obstinado por aquilo que quer, é violento, irritável e acusa sem ponderar as palavras: «[...] apanhei-o a mover uma conspiração contra a minha pessoa [...]» (a Creonte, v. 642).
O jogo entre homens e deuses, marcado por oráculos que semeiam o erro, é a ideia mestra de Rei Édipo e o homem é o joguete da ironia da “sorte” previsível. Muitas vezes  precipita-se para a sua queda pelo próprio esforço que faz para lhe escapar. «Irei, então, falar, já que me insultaste pela minha cegueira. Tu vês e não tens olhos para a miséria a que chegaste.» (Tirésias a Édipo, v.413).

Mas esse destino não é questionado, ninguém se interroga sobre a razão daquilo que sucede a Édipo: não há explicação mas também não há problema – as coisas são, simplesmente, assim. Sófocles contenta-se em mostrar a impotência do homem, que nada pode fazer para alterar o seu destino.
A epopeia e a tragédia abordam o mesmo assunto e os mesmos mitos. Não é de espantar: a epopeia fora, durante séculos, o género literário por excelência. Embora existam tragédias históricas, estas são tratadas à maneira de um mito: serve de exemplo, apenas mantemos dela o sentido humano, modificando-a a seu gosto. Já se considerava que os mitos gregos na sua origem narravam uma história longínqua e heróica mas verídica. Na Grécia o “renascimento” do homem é o “milagre” que nos transmite o conhecimento que temos do mundo. A humanidade é o centro do mundo. Com essa nova visão e evolução os gregos começam a “criar” os deuses à sua imagem, conferindo-lhes uma humanização com que nos identificamos e familiarizamos.

Édipo explica o enigma da Esfinge, Jean Auguste Dominique Ingres, c. 1805
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALVINO, Italo – Porquê ler os clássicos (Teorema, 1993);
HAMILTON, Edith – A Mitologia (Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1983);
PEREIRA, Maria helena da Rocha – Estudos de História da Cultura Clássica, I Volume (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2006);
ROMILLY, Jacqueline de - Homero, Introdução aos poemas Homéricos ( Lisboa, Edições 70, 2001); A Tragédia Grega  (Edições 70, 1997);
SÓFOCLES – Rei Édipo – Introdução, tradução do grego e notas de Maria do Céu Zambujo Fialho (Edições 70, 2008);

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