domingo, 14 de setembro de 2014

Memórias #5 : Primeiras cores


Quando tentava subir o parapeito da janela para olhar lá para baixo, a rua parecia estar muito longe. Tão profunda como a vontade de a alcançar com os olhos. A minha pequenitude impedia-me de lá chegar com os braços, mas não com os meus olhos verdes e curiosos pequenos pontos que, também esperançosos, sempre acharam que um dia lá chegariam.
- Um dia lá chegarei! – prometia.
Os telhados laranja dos prédios em frente eram o meu chão. No alto de um quarto andar, um pouco acima na colina que os restantes prédios da rua da Madragoa, estava no alto dos meus sonhos que aumentavam cada dia. E nem era preciso sonhar: os sonhos cresciam comigo. Os telhados laranja eram as minhas nuvens de criança.

Um dia cresci. Desci as escadas do prédio centenário, sem elevador. Fui ter com os meninos que brincavam na rua sempre calma, com o devido consentimento de minha generosa mãe. Ela não tinha muitas coisas para me dar. Quase nada que fosse de muito valor, desse valor que se esgota e regateia em qualquer bolsa de valores. Mas era incalculável o valor que na minha bolsa de memórias o carinho ela ia depositando a pouco e pouco.

Naquele dia fui brincar com os meninos do prédio em frente, sem idade, como eu. Com eles, até àquele dia, brincara apenas na minha imaginação, quando me empoleirava no parapeito da janela do único mas soalheiro quarto da casa. Brincadeiras azul algodão, como lhes chamo.

Quando desci e brinquei, pela primeira vez, com os outros sonhadores, as cores foram mudando os seus tons para coloridas brincadeiras, mais vivas e verdadeiras que as oníricas anteriores.

O chão: finalmente brincava lá em baixo, onde as ruas eram pretas-granito, de textura que marcava não só os meus pés, mas também os meus saltos e impulsionava as nossas pequenas vidas.

Em breve o preto e branco da calçada ficaria marcado em simples memórias da minha infância.

A adolescência passou quase tão depressa como apareceu: de surra e caprichosa, não querendo que lhe desse muita importância. Nem lhe dei. Nunca entendi muito bem o que queria dizer aquela nova fase da minha vida, nem sabia muito bem como ser adolescente. Ouvi dizer algumas vezes que era uma fase complicada. Mas para quem? Para mim? Para os outros? Tentei, então, fingir que era passageira e que brevemente seria adulto. Não o desejava firmemente, mas também não queria estar preso àquela idade. Queria crescer enormemente, absorvendo tudo o que aprendia, teimando sempre em deixar um pouco da minha infância dentro de mim. Talvez seja daí que vem a minha teimosia, uma resistência infantil... Prefiro dizer que é a parte às riscas de muitas cores da minha personalidade: as cores de que sou feito e que foram pintadas com lentidão mas talvez demasiado rápidas para a minha ansiosa vida.

Crédito de imagens:
Fantasy Portrait Paintings by Chris Buzelli;
Telhados de Lisboa, Maluda


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