quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O meu reino por uma polaroid


Estava a ser um grande dia na praia que merecia ser compartilhado em alguma rede social, não importa qual rede. Assim, o casal com sua criança decidiu gravar esse momento com uma foto. A cena estava preparada: perto da água, onde castelos de areia foram orgulhosamente levantados, sentaram-se juntinhos. O pai pegou na camera, esticou o braço e apontou para os três.
"Partilhar". 
O botão foi pressionado. O momento não estava mais lá, mas em outro lugar na world wide web. Deixou sua existência, mas agora todo mundo sabia da sua felicidade. A camera voltou para o saco. O dia não tinha terminado e havia mais algumas horas de sol para desfrutar.

Logo a tarde calma seria interrompida por um pouco de areia que a filha ia jogar para o ar, cobrindo a toalha de praia do pai, que instantaneamente gritou um
- Está quieta. 
Isso não impediu a menina, que continuou a fazer o que estava orgulhosa e birrantemente a fazer. Os gritos e as palmadas rápidas mas ao de leve que o pai deu na sua perna não a fizeram parar. A pirralha agora começava a correr e quando ela estava perto de outras pessoas na praia a mãe gritou um sonoro
- Vem práqui. 
O resto do dia na praia continuou da mesma forma. Gritos, desobediência, clima ensolarado e quente,
- Merda, para quieta! 
a água agradável, calma, outro vem cá, gritos da pequena garota mimada e seus pais a acompanhar em coro, um pouco de vento, alguns petiscos de sandes e batatas fritas e o dia estava quase no fim.

Para o resto do mundo, familiares e amigos, as memórias que seriam lembradas ficaram registadas naquela única foto. A fotografia partilhada.

* * *

"E não está ninguém que fixe este momento. O meu reino por uma polaroid, gritou Ricardo III, e ninguém lhe acudiu porque pedia cedo de mais." - José Saramago, Objecto quase (Cadeira), 1984



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