terça-feira, 30 de setembro de 2014

Ena pá, 2014! 30 a nus de carreira


No ano em que a banda de rock portuguesa (claro) Ena Pá 2000 comemora 30 anos de carreira, eu quero comemorar um álbum És muita linda que faz 20. Em 1994 o cd marcaria um período inesquecível da minha vida e, presumo, o de muitos dos atuais trintões e quarentões portugueses. É por muitos considerado o mais popular da banda, conhecida pelas letras carregadas de humor brejeiro e pornográfico. Logo, polémico, como a banda gosta de ser. É o que se podia esperar de um grupo cujos elementos têm alcunhas como Francis Ferrugem/ Rei ou Ray Bonga (o percurssionista Francisco Ferro, rei das Congas), Zé Líquido Rato (o baterista Luís Desirat), Pepe Mijo/ Pepito Furex (Pedro Rijo, nome verdadeiro), Manuel Anão/ Escaravelho da Foz do Arelho (o Baixo Manuel Duarte), Juanito Porkys Del Mar/ Joni Pórkinho/ Pão Diospiro (o guitarra João Santos) ou Lello Marmelo/ Orgasmo Carlos, líder e vocalista-artista-ativista-político Manuel João Vieira, que mantém a irreverência e polémica, mesmo a solo, na vida (ir)real.

O cd foi-me oferecido pela minha namorada da altura. Nunca os esqueci: nem a ela nem ao cd, que de quando em vez insiro na grafonola digital para recordar as músicas. 

- Isso é lá coisa que uma miúda compre e ofereça ao namorado?  - podem alguns pensar, admirados.

A admiração, contudo, não deve ser essa (nem outra que o meu estimado leitor possa vir a ter). Depois de ultrapassado o choque da também polémica capa do cd (que reproduzo abaixo, para quem não conhece, e acima, a ilustrar este post, mas com muito mais censura), começa o encanto do seu interior musical, que teve participações dos alentejaníssimos Vitorino e Janita Salomé, do Gimba, do João Paulo Feliciano e do Bernardo Sassetti. Ao longo das 20 faixas sucedem-se cacofonias de fazer corar um Quim Barreiros, ou qualquer outro cantor pimba que nem no século XXI se atreveria a reproduzir num dos seus espetáculos, muito menos numa daquelas exaustivas mas muito populares maratonas de programas de televisão de fim de semana. 

Os títulos dos temas vão dos mais simples e cândidos (só nos títulos) aos mais hard. Rock com uma pitada - ou muita pitada, pronto, admito - de XXX. Quanto baste para apimentar a coisa e sem outros pis castradores: aqui os coitus musicais só são interrompidos com as gargalhadas que inevitavelmente provocam aos que o ouvem com atenção. Segue a minha proposta/ guia para a audição de cada uma das faixas, uma tentativa para atenuar - castrar - as palavras e o sentido que no original poderão encontrar (qualquer pesquisa na net os encontram).  Aviso que os títulos não são de minha autoria e podem ferir os ouvidos menos liberais ou insensíveis.

1. Alice - O vocalista pede ao longo da música a uma senhora ou menina, que se chama Alice, que lhe lamba uma certa coisa, que nunca percebi exatamente o que é mas que rima com o seu nome. E recomenda-nos, a nós e a todos os que pensam acabar com a própria vida, a experimentar essa magia de amar que a Alice tem. Só sei que desde que ouvi este tema, nunca mais consegui encarar da mesma maneira alguém que se chamasse Alice. Fica no ouvido. Provavelmente há muito bom homem que ainda hoje procura por ela. 

2. Dona - Não sei se se refere à Dona Alice, da música anterior. Um arroto discreto abre o tema da senhora que ama quer analfabetos quer doutores. Um amor democrático, portanto, com um quintalinho acolhedor cor-de-rosa em botão, a mais linda flor de uma música em que não falta uma breve passagem pelas notas musicais que fazem lembrar um circo.

3. Vida de Cão - É uma espécie de diário de um homem a quem comparam com um canito, com direito a pulgas e tudo. Uma vida difícil que só os prazeres de uma meretriz, visitada religiosamente ao domingo, numa qualquer pensão, pode apaziguar. Tudo regado com um som rockalhado que acaba com os acordes da música "Quando o coração chora de amor" no momento em que o desafortunado homem protagonista é esmagado por um camião.

4. Nunca 1 - A balada do álbum que é uma declaração de amor carregada bolas de sabão e de sátira. O autor enamorado afirma que nunca deixará de sentir ponta por ela, de ter o seu zé levantado por ela, terminando o tema com um suspiro chorado. Provavelmente a história não fica por aqui.

5. LSD 25 - Não gosto particularmente deste tema. É sobre o que se vê ou sente quando se consome uma qualquer inebriante substância (tipo crocodilos de cristal, lulas verdes extravagantes, ovos de Aveiro, serpentinas ondulantes e outras cenas do género).

6. Nunca 2 - E a história não se ficou por ali. Repete-se neste tema, sobretudo o refrão. Distingue-o apenas as rotações ora lentas ou rápidas e um final riscado. Dos meus preferidos!

7. Semi-Tango - Neste tango entram a dançar várias personagens. Há um homem que tenta cortar uma vaca com uma faca torta. Há uma costureira e uma velhota que gostam de apanhar bebedeiras à meia noite numa... banheira (uma vez mais aqui o nonsense, apenas para rimar a palavra  com aquela profissão). Parece-me que são vizinhas do tal homem, a quem às tantas numa noite de chuva lhe apetece comer frango assado e a quem um coração cantante lhe faz ter instintos de estripador. Mas aquela vaca já estava morta. É nós dançamos, divertidos, este tango que é tão semi como senil.

8. Masturbação - Este canto é gregoriano e apresentado, com orgulho, por uma voz que bale. A letra é muito complicada: resume-se a um conselho para que se pratique este ato de auto-prazer para bem da nação. 

9. Bacamarte - Este é o tema mais vaidoso do álbum. O seu personagem gaba-se o tempo todo do tamanho do seu grande órgão genital, dedicando-lhe o título da música: bacamarte. Mas também lhe chama linguiça, pilinha (só para dizer que é tão grande que vai da costa à linha) e linguiça. Até onde vai a imaginação hard-core

10. Rap Alentejano - É nesta música que o Vitorino e o Janita cantam e fazem coro. O protagonista é o General Zé que se vem manifestar em rap por uma grandessíssima atitudi. Muuuuuita a-a-a-a-titudi.



11. Paneleiro - O início deste tema lembra-me um filme do Tarantino. Como noutros tema, o nonsense reina, com palavras colocadas apenas para rimar com o título e outros estereótipos associados aos homens que têm essa preferência sexual: gostam de chupar no gelado, têm um corpo musculado, assopram nas camisas (?), puxam o lustro aos para-brisas (??). Mas, sobretudo, são uma espécie muito limpa: tomam muitos duches no chuveiro (rima) e lavam muito bem a região pudibunda com... OMO. Por isso são Omossexuais! O filme está feito. Genial.


12. Marisco - O mais tropical e delicioso tema. Afinal, há muito pouca gente que não gosta de marisco, não é? Afirma o cantor que "Agorra nos práia di Porrtugal já não há marrisco igual àqueli di antigamenti". É preciso ter atenção porque a iguaria é boa mas pode causar intoxicação. A música também causa um bocadinho

13. Fim-De-Semana Em Vizela - Deve ter sido um fim de semana prolongado, com feriado pelo meio. É que não só foi passado em Vizela, como 'entram' o Fernando Mamede, a mulher do Vitor Espadinha, a filha da Teresa Braganza, a neta do Bispo de Beja, a secretária do Taveira, a tia-avó do Júlio Isidro, a criada do Salazar, o Macário Correia, a amiga do Santana Lopes, o major Valentim Loureiro e a sogra do Mário Soares. Isto é que foi um forrobodó, heim! Com muita rima à mistura.

14. Puta - Ela tem a profissão mais velha do planuta, o seu coração palputa pelas pedras da calçuta, faz com que o suor dele caia em cascuta e dá-lhe um nó na pixuta, pra ver se ele aprende. Lindo!

15. Fucking Time - Não gosto desta, por isso não a comento.

16. Carla Andreia - Outra música dedicada a outra moçoila. Aliás, quase todas andam à volta das fêmeas que inspiram a banda. A Carla Andreia, de olhos azuis, não é exceção. 

17. ABC Do Amor - Outra balada, outra volta no carrocel do amor e da beleza feminina que, uma vez mais, celebram a cantar. Tanto, que acabou por inspirar o nome do álbum. É que a chavala é mesmo buéda, buéda linda, fixe e maravilhosamente porreira, pá! O tema tem duas partes. A segunda tem mais batida.

18. Alcina - É claro que é assassina e senhora da sua vagina. Que outras palavras se conseguiam encontrar para rimar com o seu nome?

19. Perversa Adolescente - Embora pequena em estatura (anã de não mais de metro e meio) dá tanta pica que faz levantar a... pedra da calçada. Seus malandrecos! A segunda parte da música é mais infantil no tom: tem um ursinho que gostava de comer mel, até o ter enjoado, procurando, então, ajuda divina. Mudou os hábitos alimentares para o seu manjar. Oh, tãooooo querido!

20. A Titi Fez Um Tété - O popó que o papá deu, o teté que a titi fez com óleo Fula, o xixi que o bebé fez e o cocó que fez o avô. Não é bom brincar com as palavras? São uns brincalhões, estes gajos! 

***
Quanto a ser o mais popular álbum da banda, a Wikipédia nota que a afirmação carece de fontes. No entanto esta fonte (eu) confirma-o. De que mais fontes precisaria eu?


Crédito de imagens: capa do cd És Muita Linda, Ena Pá 2000 (1994); 
Les Bas Blancs (Mulher Com Meias Brancas), Gustave Courbet (c. 1861)


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