terça-feira, 9 de setembro de 2014

Não há feira que não dê em fartura (2003)


O cheiro das farturas não enjoa ao princípio da noite. O sol foi embora a altas horas, já a lua se queixava. As luzes da feira confundiram-se com o lusco fusco do final do dia e a festa apenas começava.

No pavilhão dos stands que mostravam (fazem eles o seu papel, como se ninguém que ali se encontra não se quisesse mostrar) e ao fundo o palco. A música contagia todos lá dentro. Mesmo quem não é adepto do pézinho da baila a perninha que por sua vez leva todo o corpo atrás. Mas quem dá o show dança o ventre com orgulho de quem já aprendeu esta nova modalidade e está aqui para todos verem. E vemos. E dança. E remexe. E não esquece. Está certinha, sim senhora, mas falta a alma que faz tanta falta quanto a cor que não lhe pega, neste meu país de todas as estações. Com pena (talvez não) que o Inverno deixe a pele sem marcas do sol, bamboleia-se, não é isso que a vai preocupar. O importante é não se enganar. Afinal as luzes sempre disfarçam e com o seu barulho não se percebe.

Cá em baixo o público vibra… não, vidra: está vidrado: eles, com os corpos das bailarinas, elas, por não terem os seus corpos. Em alguns casos, ainda bem, nem todos são figuras-modelo, muito menos bailarinas-modelo: se não se sabe a coreografia mais valia mexer a belly com uma sessão de yoga, por exemplo. Pelo menos tudo pode mexer – o poder é da mente.

Seja qual for o público que assiste, o desejo está contido. Seja a pitinha, a gaja ou o gajo, o segredo do desejo de ver o show não sairá deles próprios. Nem do pavilhão. Ser bailarino por um dia, por uma vida, aprender a arte ou lamentar que a namorada não saiba ou faça, um dia quem sabe numa festa surpresa, ficará apenas no íntimo de cada um. E é apenas seu.

A noite, por sua vez, é de todos e todos andam às voltas. Cá fora não se sabe nem se imagina o que se viu e ouviu lá dentro. No dragão da noite andámos à volta pela feira. Preços baixos, quase sempre (nem sequer é publicidade a hipermercado), a magia é franca e as farturas pedem-se com olhos e voz gulosa, mas comedida:
- São só duas, por favor!
E bastam! Fartam!

Vou-me embora. Como-as amanhã para relembrar.



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